O Fisco violado e a cidadania ameaçada

A verdade incomoda

Conta a lenda que o conquistador Gengis Khan, conhecido e temido por sua crueldade nos combates, mandava matar os mensageiros quando estes traziam más notícias. Guardadas as proporções, essa reação de inconformismo com a verdade ainda motiva nos dias de hoje ações de represália e violência contra quem ousa informar a verdade. Veja-se o que ocorreu, em 2012, com a estudante catarinense Isadora Faber, de 13 anos, que resolveu criar uma página no Facebook para relatar o dia a dia de sua escola. Desde então, ela já foi repreendida pela direção, foi processada por uma professora, teve que prestar depoimento em delegacias, teve seu trabalho indevidamente utilizado por um candidato na recente campanha eleitoral e teve sua casa apedrejada e foi ameaçada de agressão por ter denunciado uma irregularidade na prestação de um serviço para a escola.

Fonte: Portal da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul

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R$ 1 bilhão vale menos que R$ 18 mil

Quem conhece o técnico João Ribeiro, lotado na Delegacia Regional Tributária de Marília, garante: é um servidor público exemplar. Além de competente, possui comportamento irrepreensível. Ele tem 54 anos, 25 dos quais na área de arrecadação tributária da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP).

Em 24 de janeiro de 2003, indignado com o que ouvia e se comentava no órgão sobre várias irregularidades, João fez uma denúncia anônima ao Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE-SP). Do seu endereço eletrônico funcional, enviou e-mail, contando que dois diretores da área de fiscalização estariam envolvidos no desvio de créditos acumulados de quase R$ 1 bilhão (valores da época, não atualizados). Ele relatou estranheza pelo fato de os dois diretores sob suspeição na gestão tucana– atuaram na área no governo Mário Covas, de 1995 ao segundo semestre de 2002– terem se aposentado compulsoriamente meses antes. Também que a mesma coisa já havia acontecido com os dois diretores do mesmo setor, em 1992, no governo Luís Antônio Fleury (na época, no PMDB).

Naquela mesma época, observou João no seu e-mail, esquema de corrupção envolvendo o chefe da Fiscalização do Estado do Rio de Janeiro tinha sido descoberto. E lá, diferentemente do ocorrido em São Paulo, havia sido apurado e os fiscais até exonerados.

No e-mail, João questionou ainda por que o caso de São Paulo não era averiguado.

“Embora o e-mail fosse anônimo, para enviá-lo, eu tive de entrar numa página do MP e fornecer todos os meus dados”, expõe-nos João Ribeiro. “De forma que o Ministério Público sempre soube quem eu era.” No MP, a denúncia foi direcionada ao promotor Silvio Marques, que abriu um procedimento para apurá-la. Marques encaminhou ofício ao procurador-geral de Justiça, Luiz Antônio Marrey, que comunicou o caso ao então secretário da Fazenda, Eduardo Guardia, pedindo informações. Junto, mandou o e-mail e o telefone de João.

A partir daí, a vida do funcionário denunciante tornou-se um inferno.

A Secretaria da Fazenda instaurou processo administrativo. Em julho de 2007, demitiu-o com base na lei 10. 261/68, a chamada Lei da Mordaça. Já revogada, ela previa a punição a servidores que se manifestassem “depreciativamente” sobre autoridades ou atos da administração. João recorreu. Em fevereiro de 2008, por decisão de caráter liminar, foi reintegrado. Em fevereiro de 2009, ganhou em primeira instância. A decisão foi do juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de Justiça de São Paulo.

Em sua decisão, Lima Porta faz referência ao “parecer do iluminado Procurador, Dr. Estevão Horvath, que aqui é adotado como parte integrante desta decisão”. Horvath pediu arquivamento do processo contra João.

Vale a pena ler o arrazoado do juiz, dando ganho de causa total a João. Desde a invalidação do processo administrativo ao pagamento dos dias em que foi afastado compulsoriamente.A Secretaria da Fazenda apelou. João ganhou, de novo, em segunda instância. Por unanimidade, em fevereiro de 2013, os desembargadores Teresa Ramos Marques, Paulo Galizia e Torres de Carvalho, do TJ-SP, anularam de vez a decisão administrativa da Secretaria da Fazenda, determinando a reintegração definitiva do servidor.

Em seu voto, Torres de Carvalho diz que houve desproporção entre a conduta e a sanção imposta pela Secretaria da Fazenda:

Sob o ângulo da cidadania, não se pode negar ao cidadão o direito de levar à autoridade competente as denúncias que tiver, como forma quando menos da liberdade de expressão e do direito de petição.

A sentença foi publicada em maio de 2013.

Remetido ao DJE
Relação: 0071/2013 Teor do ato: VISTOS. Fica intimado o Estado de São Paulo a cumprir integralmente a obrigação de fazer em 90 dias. Decorrido o prazo assinalado sem o devido cumprimento ora determinado, servindo o presente como mandado, intime-se pessoalmente a Fazenda para que comprove o cumprimento da obrigação de fazer, no prazo de 05 dias, sob pena de multa diária, que fixo em R$ 500,00 por dia de descumprimento, e que incidirá, a princípio, pelo prazo de 120 dias. Int. Advogados(s): ROSANA MARTINS KIRSCHKE (OAB 120139/SP), Marta Sangirardi Lima (OAB 130057/SP), MARIA CLAUDIA CANALE (OAB 121188/SP), André Braga Bertoleti Carrieiro (OAB 230894/SP)

João não recebeu dias parados

Sefaz diz que “não resta parcelas em aberto”

A batalha de João Ribeiro já dura 11 anos e ainda não terminou.

Agora, é para receber os quase quatro meses que ficou afastado do emprego. Apesar de a Justiça ter determinado o pagamento, isso até hoje não aconteceu. O Viomundo questionou a a Secretaria da Fazenda:

1) Por que até hoje a Secretaria da Fazenda não o pagou?

2) Quando deverá fazê-lo?

3) A Secretaria da Fazenda ao demitir um funcionário que denunciou esquema de corrupção no órgão não estaria estimulando a corrupção? Afinal, o “prêmio!” dele foi a demissão sumária.

A Secretaria da Fazenda, via assessoria de comunicação, diz que “não resta parcelas em aberto”.

A íntegra da resposta:

O servidor João Ribeiro impetrou o mandado de segurança sob o nº 0133351-66.2007.8.26.0053, antigo (053.07.1.33351-1), o qual foi distribuído no dia 06/11/2007 a 5ª Vara da Fazenda Pública.

Em razão de tal demanda, houve o deferimento da liminar para restabelecimento ao serviço público, ou seja, o servidor foi readmitido em 08/11/2007 invalidando, portanto a pena aplicada de demissão a bem do serviço público, demissão essa ocorrida em 13/07/2007.

Esclarecemos ainda, que conforme relatado acima, verifica-se que não há nenhum pagamento a ser feito ao interessado, uma vez que conforme a Súmula 271 de 13/12/1963 do Supremo Tribunal Federal (STF), o mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação a período anteriores a impetração do mandado de segurança, os quais devem ser reclamados pela via judicial própria.

Cumpre-nos esclarecer que conforme informação oriunda da d. Procuradoria Judicial, o impetrante peticionou em juízo (26/11/2013) reclamando o pagamento de seus vencimentos desde a aplicação da penalidade (demissão), reclamação esta que foi totalmente repelida no âmbito do Judiciário pela Ilma. Procuradora do Estado responsável pelo caso em razão de que pelas datas da impetração e do cumprimento da liminar, não resta parcelas em aberto.

Assessoria de Comunicação da Secretaria da Fazenda

A advogada de João, Maria Claudia Canale, discorda da Sefaz.

“O meu cliente tem aproximadamente $ 18 mil para receber”, informa Maria Cláudia. “A Secretaria da Fazenda não pagou os vencimentos de 12 de julho a 6 de novembro de 2007, referentes ao período anterior à impetração do mandado de segurança. Além disso, os valores de 6 de novembro de 2007 a 31 de janeiro de 2008 estão incorretos. Não pagaram os valores referentes às gratificações que ele recebia antes da demissão.”

Maria Cláudia explica. A Procuradoria do Estado de São Paulo defende que deve haver uma execução do período posterior a 6 de novembro de 2007 nos próprios autos. E uma nova ação tem de ser aberta para cobrar o período, ou seja, de 13 de julho a 11 de novembro de 2007.

Entendemos, porém, que, no caso de reintegração, os vencimentos devem ser pagos de uma só vez e em folha de pagamento, única forma de o servidor ser restituído ao “status quo ante”, até porque é público e notório que as execuções contra a Fazenda Pública são demoradas. “Além disso, por economia processual, não se deve obrigar o servidor a ajuizar outra ação apenas para receber os vencimentos do período anterior à impetração do mandado de segurança”, atenta Maria Cláudia.

“O” CIDADÃO JOÃO RIBEIRO

Apesar da perseguição sofrida e do desgaste emocional para João e toda a família, João Ribeiro acha que valeu a pena:

Para se ter uma sociedade mais justa, cada cidadão deve fazer a sua parte. No caso do servidor público, um dos deveres é denunciar irregularidades. Foi o que fiz.

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Fonte: Blog Viomundo (do jornalista Luiz Carlos Azenha)

DESPACHO 19/04/2013

SEGURANÇA 28/02/2012

ACORDAO 16/05/2011

SENTENÇA 19/02/2009

Acompanhamento processual TJ-SP

Notícia do Estadão em 27/06/2011

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MENSAGEM:

No Brasil, ainda permanecem as dificuldades das pessoas acessarem os órgãos competentes para denunciar, irregularidades principalmente contra políticos e servidores públicos. E numa segunda fase enfrentam o corporativismo. A inibição de denúncias é tática antiga dos poderosos para se livrarem da obrigação de fiscalizar e investigar, muitas vezes, os próprios pares.

Isso sem falar na coação após denúncias que vêm à tona e são reveladas publicamente com o propósito de intimidar o denunciante. 

São muitos os casos que são omitidos por medo de represálias, coisa que acaba fortalecendo os criminosos que insistem em desviar o sagrado dinheiro do cidadão pago através dos impostos .

Que o caso do servidor João Ribeiro, funcionário há 22 anos do estado, sirva de exemplo para confiarmos na justiça e, também, sirva de incentivo para que mais cidadãos de bem sintam-se confiantes para denunciar irregularidades.

Teo Franco

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4 Comentários to “O Fisco violado e a cidadania ameaçada”

  1. Prezados colegas do Fisco, a “sacanagem” que fizeram com o João Ribeiro mostra o ‘estado de coisas” a que estamos sujeitos. Por falta de autonomia funcional e administrativa, fiscalizamos apenas o que não incomoda aos “parceiros” do governo, não por acaso os principais financiadores de campanhas… E os ocupantes de cargos, para manterem o status, vendem a alma e se comportam como Executivos de Bancos sem escrúpulos, que não se importam em saquear o povo menos favorecido com taxas e tarifas absurdas, enquanto os Amigos se fartam com tratamento diferenciado, taxas camaradas, Regimes Especiais e Cafezinhos com a Cúpula…

    Minha solidariedade ao colega João Ribeiro.

    Saudações,

    Carlos H. Peixoto

  2. Este Brasil, de tantas maracutaias de tantos favorecimentos, chega! Um basta a impunidade! A safadeza e a bandidagem;
    Exemplo de profissional comprometido com o que esta certo, que tudo transcorra da melhor forma e que consiga ter uma vida feliz ao lado os seus.

  3. Um pais autentico se faz de cidadaos de bem como o Joao Ribeiro. Quando o Brasil deixar de ser um pais que favorece os “grandes”, o pai(h)s inteiro serah um lugar melhor para se viver. Soh mesmo com a indignacao do povo em geral , como a expressa neste artigo, para que a Secretaria da Fazenda conserte este disparate que ocasionou a uma pessoa de bem. Ah, e cadeia para os defraudadores.

  4. João, parabéns pela coragem e despreendimento. Você é uma daquelas pessoas que não fica parada na zona de conforto e age contra a corrupção e injustiças. Você tem o mérito de ser uma pessoa, um cidadão, que, não vai passar por esta vida em vão, apenas baixando a cabeça para os poderosos. A denúncia justa é um ato de extrema generosidade social. João, Ande com a cabeça erquida. Se eu pudesse, apertaria a sua mão e diria que, para mim, você é um herói. Grande abraço.

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