Reforma Tributária Urgente

12ª Parte — IVA Federativo Nacionalizado — Ganhos e Perdas

Antônio Sérgio Valente

A proposta delineada nos artigos desta série — transformação do ICMS atual em IVA federativo nacionalizado, com alíquota interestadual cheia e partilha em câmara nacional de compensação — tem perdedores e ganhadores, tanto no pólo ativo como no passivo, mas os ganhos lícitos de um modo geral superam as perdas, e produzem estímulos excepcionais para a economia nacional e para a harmonia federativa.

Os efeitos principais seriam os seguintes:

a) Ganhos expressivos em simplificação, com menores custos de fiscalização e de observância das normas tributárias.

b) Menos oportunidades de evasões ilegais e travestidas de legais, pois o cardápio de maracutaias interestaduais ficaria mais restrito, de um lado, e mais suscetível à ação eficaz por parte do Fisco, de outro, favorecendo assim o melhor desempenho da arrecadação, independentemente de aumento da carga tributária nominal.

c) Menos concorrência predatória entre empresas, em face da mitigação das evasões ilegais (alínea anterior) e da guerra fiscal (evasão da zona cinzenta, travestida de legal), com redução de incertezas jurídicas para as empresas e para os próprios entes federativos, com preservação da arrecadação estadual agregada.

d) A combinação das três alíneas anteriores deve resultar em ambiente mais propício à elevação dos níveis de investimentos (privado e público), na medida em que a decisão de investir costuma arrefecer em cenário com complexidade tributária, incerteza jurídica e concorrência predatória elevadas. Este efeito também tende a contribuir para o incremento da arrecadação, eis que investimento, produção e demanda costumam caminhar de mãos dadas.

Quem Ganha e Quem Perde?

Os contribuintes que operam dentro das regras normais de tributação nada perdem com a proposta, pelo contrário, ganham com a retração da concorrência predatória. Não há aumento nominal da carga tributária, pois o IVA, tanto quanto o ICMS, sempre compõe o preço cobrado do consumidor final, ainda que dividido em fatias de valor agregado, em parte atribuído às UFs produtoras e em parte às UFs consumidoras. Isto continua no IVA federativo nacionalizado, com a diferença de que quem arrecada passa a ser a UF de origem da matéria-prima, do insumo, do produto ou da mercadoria, embora o imposto não lhe pertença inteiramente (será levado à partilha na câmara de compensação nacional).

Perdem, isto sim, os contribuintes que se utilizam de manobras interestaduais para burlar de alguma forma o erário — tais como o turismo documental de fronteira, a guerra fiscal, a nota fria interestadual — mas tais perdas são necessárias e fundamentais para a profilaxia do sistema tributário.

Embora seja praticamente impossível imaginar um sistema tributário inteiramente livre de impurezas, esta meta deve ser perseguida sempre, pois quando a tributação é muito distorcida o investidor sério se afasta. Portanto, essas perdas são, em termos econômicos, saudáveis.

Perdem também, em princípio, mas só em princípio, os entes federativos de maior pujança, que são grandes exportadores líquidos, pois a proposta dos artigos precedentes implica em quinhão maior na partilha às UFs de menor pujança, quinhão que vai diminuindo percentualmente à medida que a pujança da UF cresce, até o limite da igualdade quando as pujanças se aproximarem.

A rigor, porém, os entes federativos de maior pujança perdem de um lado e ganham de outro: abrem mão de arrecadação em relações bilaterais com UFs de menor pujança, mas são fartamente recompensados pela mitigação das evasões ilegais, das travestidas de legais e da guerra fiscal. Em outras palavras, as brechas tapadas da escabrosa evasão atual tendem, em tese, a cobrir boa parte das perdas na partilha do novo IVA sobre operações interestaduais.

Perdem também, sem dúvida, os entes da federação que atualmente fazem vistas grossas, acobertam ou até estimulam manobras evasivas: leniência no combate à nota fria originária de seu território; fiscalização frouxa de empresas que se instalam no interior de suas fronteiras para operar com turismo documental ou como distribuidoras exclusivas de indústrias localizadas em UFs contíguas, a fim de mitigar com créditos compensatórios inexistentes o imposto sobre suas margens agregadas, não raramente beneficiadas pelo estímulo da famigerada guerra fiscal.

A propósito, a guerra fiscal passa a ser livre e até santificada, mas apenas nas operações internas, e automaticamente vedada nas transações interestaduais (exceto Zona Franca, a ser vista, oportunamente, em artigo específico), pois os incentivos concedidos às empresas passam a ser dedutíveis dos saldos devedores, como já ocorre com o ICMS, e levados à câmara nacional de compensação, reduzindo o quinhão da UF predadora já na partilha, combinando tal dedução com penalidade pelo descumprimento do pacto federativo, evidentemente nos casos em que a UF concede benefícios sobre operações interestaduais sem o aval preliminar e unânime do Confaz. Atualmente, a UF predadora nada perde com a guerra fiscal, pois nada arrecadaria das empresas que optam pelo estímulo artificial, mas com as novas regras passa a sentir os ônus da desoneração predatória, tendo em vista que a dedução na partilha (do IVA interestadual transferido), bem como a sanção automática pelo descumprimento do pacto federativo, implicarão em atribuir à UF belicosa saldo menor do que teria se as transações incentivadas não existissem. A guerra fiscal passa a ter custo para a UF predadora; o crédito fiscal transmitido passa a ter lastro efetivo e isso tem custo.

Por outro lado, esses mesmos entes da federação que perderiam com a inviabilidade futura de guerra fiscal, são recompensados com maiores participações na partilha bilateral e no fechamento de brechas de evasão ilegal ou travestida de legal, ocorrências das quais também são vítimas. Assim, todas as UFs passam a ter mais interesse em declarar rapidamente inidôneos os simulacros inscritos em suas jurisdições, para evitar queda no seu quinhão. Atualmente, a emissão de nota interestadual por empresa simulada — que não existe de fato, ou não tem entradas das mercadorias que supostamente vende, ou declara o imposto e não o paga (sócios laranjas, testas-de-ferro, ou simplesmente espectros negociais) — não atinge a UF do emitente, pois o crédito ficto é abatido do imposto a pagar pelo destinatário da outra UF; essa outra UF é que é lesada. O ICMS hoje não debitado ou não pago à UF de origem não a incomoda, de vez que não tem lastro em fato econômico, isto é, com ou sem aquela nota, a UF do emitente nada receberia daquela operação inexistente. Já na sistemática sugerida, a UF de origem do crédito frio passa a ter interesse imediato de quebrar o gelo daquele emitente patagônico, pois parte do imposto destacado no documento emitido terá de ser repassada à UF de destino, em função da pujança bilateral, na câmara nacional de compensação.

Vale dizer, hoje, com o ICMS, não há prejuízo para a UF emitente, mas com a nova sistemática, com o IVA federativo nacionalizado, isso muda, pois a UF emitente assume responsabilidade econômica objetiva: quanto mais créditos inidôneos forem gerados em sua jurisdição, mais ficticiamente exportadora ela se torna, e assim diminui o seu saldo a haver da câmara. Além disso, a exportação fictícia aumenta artificialmente a pujança bilateral da UF em que se situa o emitente, e quando isto ocorre menos ela participa percentualmente no fluxo bilateral do IVA faturado reciprocamente, pois as faixas levam em conta a pujança econômica bilateral invertida (maior pujança, menor participação percentual).

Portanto, a sistemática proposta, de partilha federativa nacionalizada, em câmara de compensação, contribui para a depuração do mercado, para mitigar a concorrência predatória entre empresas, para o efetivo combate à sonegação que hoje atinge em cheio o comércio interestadual entre contribuinte de UFs diferentes.

No próximo artigo, veremos os efeitos da reforma proposta com relação à inadimplência e à cobrança do novo IVA.

Até…

asgvalente@uol.com.br

ARTIGOS de ANTONIO SÉRGIO VALENTE

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