FOLCLORE FISCAL
Era fim de mês e os relatórios iam ser fechados. Na divisa do estado era bem difícil naquela época. Não lembro quem deu a senha, mas era preciso fazer alguma coisa, pois se não fechássemos os pontos o holerite viria menor. Não tinha perdão.
– Vamos fazer uma volante!
De imediato, uma meia dúzia de colegas se aprontou, munidos dos formulários de praxe, carimbos e o RICMS encadernado. Pra quem não conheceu, o nosso regulamento era atualizado a cada mês. Recebíamos as folhas para fazer o encarte, substituindo as antigas. A máquina de escrever também foi colocada no porta-malas da viatura Ford Belina.
Fomos para numa estrada vicinal, por onde os virtuais sonegadores transitavam, e iniciou-se a “movimentada” e “intensa” operação de combate à sonegação. Eram verificados os porta-malas dos veículos, que em sua maioria só traziam o estepe e os seus apetrechos… Ia chegando a hora do almoço e nenhum auto lavrado, e, consequentemente, zero de ponto para o relatório mensal.
Eis que surge um desavisado transportando um trator na carroceria de um velho caminhão. O dono do veículo, que acompanhava o transporte, era um tipo forte e marrento e não gostou muito da pergunta do colega:
– Por favor, posso de ver a nota fiscal?
Ao que teve como resposta:
– Eu sou vereador na cidade e nunca precisei de nota fiscal qualquer para levar meu trator particular de um sítio a outro.
O colega, que era conhecido por ter uma paciência de monge, já com os documentos do veículo, se dirigiu até a velha Ford-Belina e começou a intercalar as vias do formulário do auto de apreensão com as folhas de carbono. A máquina de escrever, sobre o capô da viatura, começou a trabalhar.
Nesse momento o cidadão, ou melhor, “sua excelência”, começou a manifestar grande irritação e proferir ameaças ao plácido e impassível datilógrafo. Os minutos que sucederam aquela cena ficaram na história. O vereador disse que não ia pagar por um absurdo desses, que ia falar com tal e tal deputado, e no final, desvairado, rasgou a própria camiseta, fazendo picadinho, deixando toda a plateia, que já havia se formado, completamente atônita com tal cena teatral.
O monástico colega, terminou de datilografar, inclusive a guia de pagamento e disse:
– Vai até o banco e recolhe esse valor e vamos resolver logo essa pendenga.
Neste momento, todos que esperavam uma reação brutal do revoltoso sujeito… que nada, como um gatinho pegou a guia e saiu calmamente, retornando meia hora depois, pedindo desculpas pelo seu nervosismo. Ah! E com uma camisa nova…
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