Ministério Público – Longe do Governo e próximo da sociedade

Francisco das Chagas Barroso*

Desde a academia, sempre comentava em rodas de conversas que confiava muito nos Promotores de Justiça, a ponta do Ministério Público, mas sempre tive reservas em relação à cúpula dessa Instituição, diga-se, os Procuradores Gerais de Justiça Estaduais e o Procurador Geral da República. Isso, por uma razão muito simples: Eles são nomeados pelo Governador e Presidente da República, respectivamente, fato que lhes retiram a imparcialidade e independência quando se trata de denunciar o próprio Executivo, em ações de sua competência.

Por certo, essa reserva sincera se traduz no pensamento de grande parte da sociedade brasileira. Já vivemos momentos históricos em que os governos tratavam autoridades do Ministério Público como se fossem asseclas do Executivo.

O Ministério Público, no período imperial brasileiro, ainda desprovido desse nomen júris, sem destaque, se limitava à atuações na esfera penal. Ganhou maiores atribuições e se estruturou na nova república pela Constituição de 1.891. Foi reprimido pela ditadura Vargas claramente na Constituição de 1.937 e ganhou autonomia na Carta de 1946.

Durante a Ditadura Militar o MP foi apêndice do Poder Judiciário pela Constituição 1967 e integrante e subordinado ao Poder Executivo pela Constituição outorgada de 1969.

Historicamente, as cúpulas dessa instituição e dos poderes sempre mantiveram uma política de boa vizinhança: “não mexam comigo que eu não incomodo vocês”, de modo que não se via autoridades graúdas sendo processadas – resquícios da falta de independência, do pouco exercício democrático e do escasso espírito republicano vividos ao longo da história do País.

A partir de 1988, com a nova Constituição dando autonomia ao parquet a ponto de ser considerado quase “um quarto poder”, essa situação começou a mudar. Veio a democracia, o governo Sarney, Collor, Itamar, mas ainda não se via atitudes dos Chefes dos MPs a demonstrar de fato, sintonia com os anseios da sociedade.

Veio o governo de FHC e veio também o mau exemplo emblemático da submissão do MP Federal ao Executivo, na pessoa do Procurador Geraldo Brindeiro, mais tarde alcunhado de “Engavetador Geral da República”.

Quando o Lula assumiu, em 2003, um senhor íntegro e muito respeitado no MP Federal – o carioca Cláudio Fonteles – foi nomeado Procurador Geral da República, e, para o desgosto do presidente, inaugurou a nova forma de atuar do MP Federal. Fonteles pediu a abertura de vários inquéritos e denunciou autoridades e aliados do próprio governo que o nomeou. Foi autor de 259 ADINS no STF, questionando atos dos governos federal e estaduais. Foi um verdadeiro ícone do papel institucional do MP em defesa da sociedade, exemplo seguido pelo Procurador Geral que o substituiu, o cearense Antonio Fernando de Sousa, reservado pessoalmente, mas um gigante no desempenho de suas funções e m defesa da Constituição, da lei e da sociedade. Foi ele que denunciou os 40 suspeitos de envolvimento no esquema do mensalão. O próprio Lula escapou por pouco, por um triz.

Em Rondônia, não foi muito diferente. Até uma década atrás, o Ministério Público não conseguia nem penetrar no insólito subterrâneo da Assembléia Legislativa – cheia de corrupção e de autoridades arrogantes. Foi afrontado por esta casa em vários episódios. Em um deles, em 2001, em diligência, assistiram os promotores a destruição de várias provas – documentos foram queimados enquanto a segurança da casa enfrentava a polícia, sob os auspícios de autoridades do Executivo.

Nos últimos anos o MP local ganhou força e credibilidade da sociedade e denunciou vários deputados estaduais, vereadores, juízes e até um desembargador, mas, em relação aos governadores, as ações, por vezes, sempre foram feitas posteriormente ao cumprimento dos mandatos, ou seja, o chefe do MP não costuma enfrentar o Chefe do Executivo “cara a cara”, na vigência do mandato.

Quebrando essa tradição, no recente episódio da isenção das usinas do rio madeira, demonstrações de independência são visíveis em atos como os da recente propositura da Ação Civil Pública pelos Promotores de Justiça.

Nesse contexto, uma ação chama atenção pelo seu ineditismo – a ADIn junto ao TJ, proposta pelo Procurador Geral de Justiça, em face da Constituição Estadual, contra a Lei 2.538/2011, concessiva da isenção pelo governo que causaria um assalto de 1 bilhão aos cofres do Estado. Simplesmente não há registros antecedentes de ações dessa natureza, em matéria tributária, no Estado.

Portanto, como o Cláudio Fonteles, no âmbito Federal, o Procurador Geral de Justiça do Estado, Heverton Alves de Aguiar inaugura uma nova era para Rondônia – a era da independência do Chefe do Ministério Público Estadual, deixando-o mais longe do governo e mais próximo da sociedade.

*Francisco das Chagas Barroso é Auditor Fiscal – Pós Graduado em Direito Público

franchaba@bol.com.br

PERFIL e ÍNDICE de ARTIGOS de FRANCISCO DAS CHAGAS BARROSO

NOTA DO EDITOR: Os textos dos articulistas não reflete necessariamente a opinião do BLOG do AFR, sendo de única e exclusiva responsabilidade de cada autor.

3 Comentários to “Ministério Público – Longe do Governo e próximo da sociedade”

  1. Corrijam-me se estiver errado. Mas creio que os governadores são os responsáveis pela definição dos salários dos membros do MP.

  2. Caro Ismael, há um equívoco de fato em sua conclusão, pois o responsável pela definição dos salários dos membros do MP é o seu chefe, ou seja, o Procurador-geral de Justiça. Cabe a esta autoridade a iniciativa de projeto de lei tendente a criar ou extinguir cargos, bem como alterar a remuneração dos membros do MP, sendo que esta proposta, da mesma forma como ocorre com os projetos de lei de mesma natureza provindas do Poder Judiciário, será analisada pela Assembléia Legislativa e passa pela sanção do governador e, desde que ela respeite os limites e condições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal e a LDO, o Legislativo e o Executivo não podem simplesmente ignorá-la ou vetá-la. Bem vimos o episódio recente neste aspecto na esfera federal, onde o STF encaminhou projeto de lei propondo uma reposição pouco razoável segundo a visão do governo (e da sociedade), porém, segundo consta, dentro dos limites da LRF, e o governo teve que voltar atrás em sua pretensão de alterar tal proposta para diminuí-la, o que está correto, respeitando-se a autonomia e independência institucionais.
    Então, esclarecendo sua dúvida, os governadores desde 1988 não são os responsáveis pela definição dos salários do MPE e sim a própria instituição, através de lei, de proposta privativa de seu chefe, o Procurador-geral de Justiça. A propósito do assunto, leia o art. 127, § 1º ao 3º da Constituição Federal e também os artigos 4º e 10, inciso IV da Lei 8625/93 que dispõe sobre normas gerais para organização dos Ministérios Públicos dos Estados. Esta sistemática foi adotada justamente para permitir que a autonomia e independência do MP previstas na Constituição se concretize de fato e não fosse somente uma letra morta da Lei Maior.
    Espero ter ajudado a esclarecer sua dúvida, abraço!

  3. O autor tem razão quando diz que o Chefe do MP não costuma enfrentar o Chefe do Executivo “cara a cara”, “olho no oho”. A constituição de 1988 deu autonomia de direito ao MP. A autonomia de fato fica nas mãos dos Procuradores Gerais, que geralmente são omissos quando se trata de processar a cúpula do Executivo. O maior perigo, entretetanto, é quando o procurador geral protege criminosamente o Executivo, como no caso do Distrito Federal.

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