O egocentrismo social e político

Sebastião Viana

“Lei de Murici, cada um por si”

Na zona da mata do Estado das Alagoas, distante aproximadamente cinqüenta quilômetros de sua capital, está localizado o município denominado Murici, cidade onde impera a pobreza quase que absoluta, com uma população de aproximadamente vinte e seis mil habitantes, que tem como filho ilustre um dos homens fortes do Congresso Nacional e mais de um terço de sua população sobrevive do bolsa-família, ajuda ofertada pelo governo federal.

Murici foi emancipada com esse nome, assim chamada pelos seus fundadores em 1872, em homenagem à árvore frutífera muricizeiro, nativa da região naquela época. Nessa cidade surgiu a lenda da Lei de Murici nos tempos da Guerra dos Canutos, atribuída ao Coronel Tamarindo, que abandonou sua tropa na tentativa de salvar sua vida e ao ser indagado por um soldado expressou sua resposta nessa frase “Lei de Murici, cada um por si”. Pensando em sentido mais profundo sobre a aplicação prática da lei de murici pode-se ampliar o raciocínio para pensar sobre a ação de fugir, mas, esse  coronel guerreiro, que foi encontrado e morto pelos seus inimigos, estava fazendo sua melhor parte ao decidir tentar fugir da guerra?

Nos dias atuais, quantas vezes ouvimos alguém dizer que se todos fizerem a sua parte a condição de vida social, material e espiritual, poderá melhorar e, outras vezes, ouvimos dizer que no mundo há muitos adeptos da lei de murici, princípio ideológico de praticidade da questão do “cada um por si”. Mas, qual será o alcance dessas idéias? Qual o ponto comum desse pensamento de fazer sua parte e o princípio individualista “do cada um por si”?  Será que as pessoas têm discernimento suficientemente básico para alcançar ou entender esses princípios e colocar em pratica essa questão do “cada um fazer sua parte” ou entender o real sentido do pensamento egocêntrico ou individualista do “cada um por si”?

Na verdade, esses comportamentos têm a mesma essência, porque se a pessoa pensa estar fazendo sua parte em todos os sentidos da vida, existe no seu ego satisfatório a sensação do dever cumprido, ou seja, aquele sentimento do individualismo, do pensamento do “fazer cada um por si”. Se de um lado, o indivíduo está fazendo sua parte no contexto social de forma honesta e honrosa, de outro, há pessoas induzidas a pensar coisas infrutíferas e degenerativas sobre esse comportamento. Nesse sentido, aquele indivíduo que está sempre fazendo sua parte, embora pensando em si próprio, pode ser taxado de egoísta adepto da lei de murici, no sentido mais amplo do comportamento próprio das pessoas egocêntricas ou individualistas.

Na amplitude do discernimento dessa filosofia comportamental “do fazer sua parte” ou do pensamento egocêntrico cultural “do cada um por si”, pode-se aproximar da conclusão de que o ser humano, de um modo geral, sempre foi imbuído de boas atitudes comportamentais perante os demais membros da sociedade. No entanto, se lhe forem atiradas pedras ou tornar-se alvo de flechadas de olhar simplório, de pena, ou de reprovação que possam atingir seu ego, suas boas atitudes ficam arranhadas em virtude do seu comportamento egocêntrico e o indivíduo é impulsionado a ficar descontente com a vida circunstancial, sendo induzido a pensar que tudo está errado em sua volta em determinadas circunstâncias.

A questão do “fazer sua parte” pode estar a transmitir ao individuo uma sensação do dever cumprido, sem, no entanto, medir as conseqüências dos atos praticados para alcançar seu intento ou para ser rotulado de bom cidadão perante a sociedade, sem interessar-se pelos resultados dos seus atos, pois sua parte fora feita e cumpriu-se a obrigação e, assim, por exemplo, existem pessoas que tentam justificar-se de ter feito sua parte perante as autoridades, em relação à educação do menor delinquente que se enveredou pelos caminhos da criminalidade.

Fez sua parte, como se estivesse livrando-se de um pesado fardo em relação à educação da criança, sem interessar-se pelo seu comportamento durante o tempo de seu crescimento e durante suas alterações de personalidade enquanto passava por alterações psíquicas do desenvolvimento pessoal entre as várias fases de crescimento até atingir a idade adulta. A personalidade do individuo que, na fase adulta toma suas próprias decisões e anda com suas próprias pernas, depende de como foi sua educação quando criança e durante as fases de passagem pela puberdade e adolescência.

De todo modo, o ápice de júbilo e glória dessa questão fundamental de fazer sua parte está ancorado na premissa de tê-la feito com primazia de vontade objetiva, honestidade e sinceridade, de maneira que haja contribuído de alguma forma para o bem comum da coletividade, pelo menos junto ao pequeno circulo de pessoas que fazem parte do seu convívio no cotidiano, seja no trabalho, nas intenções amorosas, fazendo uma viagem a passeio, participando de uma pescaria, fazendo uma caminhada ou até mesmo quando estiver com outras pessoas em momentos de prazer e descontração na hora do “happy hour”.

Os jovens praticantes da lei de murici, de alguma forma, fazem sua parte no contesto social quando se rebelam, de forma pacífica, sobre a política praticada pelo atual governo. Esse comportamento é salutar, pois está a demonstrar o descontentamento com as ações políticas praticadas pelo governo há pelo menos nas últimas três décadas. Todavia, os jovens precisam incluir-se no meio social sadio, estudar, trabalhar, precisam fazer-se incluir na sociedade de adultos de boa fé e de boa índole, de adultos que pensam e agem de forma adequada aos bons costumes e, sobretudo, os jovens também precisam fazer sua parte de forma adequada aos bons costumes, não na forma da lei sem fundamentos sólidos de aplicativos na educação, mas sim, segundo os bons costumes, que porventura, lhes forem transmitidos nas suas bases em meio das quais crescem recebendo orientações educativas.

Cada pessoa deve fazer sua parte no contexto social ainda que seja visto por outrem como individualista e praticante da lei de murici, pois, somente através desse comportamento teremos um Brasil melhor, principalmente no que concerne ao bem estar social de cada membro da sociedade de forma ampla e bem definida em sua maior plenitude nas razões de sua existência.

Por pertinente, o comportamento pessoal dos homens que fazem a política partidária demonstra que, em sua grande maioria, são políticos egoístas, individualistas, demagogos, dizem estar fazendo sua parte em benefício do povo, mas, na verdade, são fieis escudeiros da lei de murici e praticam atos políticos, quase sempre, em benefício próprio, visando sempre consolidar sua carreira na vida pública, sem o menor respeito à dignidade humana e sem preocuparem-se com o bem estar social do povo. Convém ressaltar que o eleitor brasileiro tem no seu voto a sua maior força, mas infelizmente, o cidadão brasileiro, sempre queda-se inerte ante as eloquências persuasivas dos discursos políticos demagógicos daqueles detentores do poder em causa própria.

O cidadão brasileiro sabe fazer sua parte com perfeição quando vai exercer sua obrigação de votar. No entanto, num sistema eleitoral deteriorado, implantado sob os auspícios de uma democracia enganadora, os eleitores são traídos pelas famosas coligações partidárias para desviar votos elegendo verdadeiros bandidos para o exercício do poder representativo e, talvez por essa razão, o eleitor brasileiro deixou de acreditar no atual sistema político e, também, não mais acredita nos homens praticantes da política partidária.

Todo cidadão brasileiro deve continuar fazendo sua parte praticando a lei de murici em todos os sentidos da vida e, mesmo assim, se não houver uma mudança radical no sistema político brasileiro a tendência será o eleitor aumentar seu descrédito político e cada vez mais haverá de aproximar-se da conclusão de que é melhor ter a consciência do dever cumprido e do sentimento satisfatório de ter feito sua parte, ainda que seja rotulado de individualista ou egocêntrico, mas sempre na certeza de que está em paz consigo mesmo, perante as pessoas do seu convívio nesta sociedade política heterogenia, corrupta e podre.

07/06/14

savianafilho@gmail.com

ARTIGOS de SEBASTIÃO AMARO VIANA Fº

*Agente Fiscal de Rendas (SP) aposentado desde 2009. É bacharel em Ciências Contábeis, foi Consultor fiscal e tributário na COAD –Contadores e Advogados – Revista Fiscal. Em 1988, ingressou na carreira, no PFF-Florínea, logo depois atuou em Marília. Foi Corregedor Fiscal na CORCAT.

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