Sexta-feira, madrugada de 25 de julho de 2014, 1,30 horas
Acabo de assistir aos indefectíveis jornais da noite das nossas especiais TVs.
E então viajo no tempo. E me vejo nos primórdios de 1967, 1º ano da medicina na UNICAMP, chegando para a aula de anatomia, e, na sala da maternidade de Campinas, que abrigava a Faculdade, o colega Bell Greenberg escrevia na lousa:
Vive la guerre
La tuerie des petits enfants
La mort des innocents
Vive la tiranie”
Era 05 de junho de 1967, e iniciava-se aguerra dos seis dias com ataque de Israel para tomada das colinas de Golan, na Síria.
Bell e eu nos abraçamos e choramos copiosamente.
Éramos crianças,com 20, 21 anos de idade, e aquela guerra nos pegou como um coice no estômago, a nós que desabrochávamos para a vida, saboreando ainda a vitória do ingresso na carreira que queríamos, com a vida toda pela frente, com tantos sonhos da juventude.
A nós era surrealista que então estourasse mais uma guerra.
No florescer de nossas vidas, já na carreira que abraçávamos para promover a vida, estava ali,nos envolvendo e sufocando, a sensação da morte em massa.
A morte ali se impunha acabando com nossas ilusões de que houvéssemos entrado numa era de paz, após a grande guerra.
Agora, aos 68 anos, vejo na TV estas imagens da mesma guerra eterna entre povos de mesma origem.
Meus queridos, fechemos agora nossos olhos, e vamos, oniricamente, imaginar um palco onde estamos todos, atuando numa peça de teatro, um palco de 360 KM², cercado todo com um muro intransponível, e estamos nesse palco juntos com mais 1.500.000 pessoas.
E, neste território acontece a nossa existência, é a nossa polis circunscrita.
Um gueto do qual nenhum de nós pode sair. Este território é do tamanho da zona sul de São Paulo, 1/5 da cidade de São Paulo.
E, então, vêm dos céus bombas ininterruptas. Não temos para onde fugir. Todo o espaço é alvo dessas bombas, e explodem nossas casas e carros, estraçalham nossos amigos, vizinhos, o sangue jorra constante, de crianças, velhos, cães, gatos, ovelhas, mulheres jovens ou idosas, homens maduros ou anciãos. Tudo explode junto com as bombas, e não temos para onde fugir. Os muros são intransponíveis, e as bombas explodem, e explodem. E explodem!
E os corpos voam junto com os escombros de casas, hospitais, escolas. Tudo fogo em volta de nós. E corpos, e corpos, e centenas de corpos jazem estraçalhados.
E cheiro de carne queimada
E muitos mortos vivos, quais zumbis, aos gritos e urros de dor. E bombas, e bombas, e mais bombas, todos os dias e noites, semanas seguidas, não para nunca. E tudo explode todo dia, e toda noite. E não podemos sair desse palco!
E a plateia nos assiste. Uma plateia imensa, composta por mais de 7 bilhões de pessoas, que assiste impávida. Inerte. Algumas criaturas têm até orgasmos, outras vomitam declarações tonitruantes e inócuas. E as bombas não param. E os gritos da plateia abafam os urros do palco. É o Coliseu nos seus mais esplendorosos espetáculos… Nero redivivo.
É isso que me vem com os olhos fechados.
Imaginemo-nos nesse palco.
PERFIL e ARTIGOS de EDISON FARAH
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