João Francisco Neto
Muita gente alega que não lê jornais para não ver notícias ruins. O argumento tem lá suas razões, pois vejam só essa: a Justiça fixou em 275 mil reais o valor da indenização a ser paga aos pais de um menino de seis anos que foi morto por um leão de circo, no ano de 2000. Diante de um acontecimento tão cruel e tão triste, e depois de mais de dez anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a condenação das empresas responsáveis pelo circo, porém reduziu sensivelmente o valor, que, inicialmente, havia sido fixado em um milhão de reais (REsp 1.100.571).
Essa decisão traz à tona, mais uma vez, o debate sobre o valor das indenizações e o modo como são deduzidas. No Brasil não há um critério racional a ser observado, pois frequentemente vemos os mais diversos valores sendo arbitrados judicialmente. Embora, ultimamente, tenha se falado muito na existência de uma verdadeira “indústria das indenizações”, o fato é que, no Brasil, o valor dessas compensações tende a ser muito baixo diante dos danos provocados. O tema da responsabilidade civil engloba dois aspectos: a reparação dos danos materiais e a dos danos morais. Os danos materiais podem ser quantificados, ou seja, medidos; mas, e os danos morais, como ressarci-los? A rigor, não é possível aferir quanto vale a dor sentida por uma pessoa, provocada por um ato danoso de outra pessoa. Como a Constituição Federal (art. 5º, X) assegura, expressamente, o direito à indenização por dano moral, de uns tempos para cá, tem havido uma corrida à Justiça em busca dessa compensação. Não havendo critérios estipulados e nem parâmetros a serem seguidos, no Brasil o valor fica sempre ao sabor de cada decisão judicial, que, como dissemos, tende a fixar valores baixos.
Em relação ao valor, nos Estados Unidos ocorre justamente o contrário. As altas indenizações determinadas pela Justiça americana têm um caráter punitivo, extraído da chamada “teoria do valor do desestímulo”. O valor milionário dessas indenizações tem a função não só de compensar a pessoa que sofreu o dano, mas, principalmente, de punir o ofensor. A sociedade, ao tomar conhecimento do alto valor da condenação, ficaria, então, desestimulada a incidir na prática de atos semelhantes. Daí o fundamento da “teoria do valor do desestímulo”. São cifras tão elevadas, que, por seu exagero, vão muito além da mera compensação, assumindo um caráter de pena criminal no âmbito cível.
Não é por outra razão que, nos Estados Unidos, as indenizações por danos morais são chamadas de “danos punitivos” (punitive damages), “danos exemplares” (exemplary damages) ou de “danos vingativos” (vindictive damages). Segundo a tradição da common law, e conforme a lei de cada Estado, grande parte das condenações por danos punitivos resulta de julgamentos casuísticos e imprevisíveis, obtidos por júri popular, que, de acordo com a tradição americana, também se aplica às causas cíveis. Vê-se, portanto, que, por lá, a coisa pode variar bastante, muito embora a regra seja a condenação ao pagamento de valores altos. Há um intenso debate nos Estados Unidos sobre o que também é designado de “indústria das indenizações”: grande parte dos operadores do Direito e da sociedade acha que deveria ser imposto algum limite à fixação de somas elevadíssimas, muitas vezes, totalmente desproporcionais aos danos causados.
Como dissemos, nesse aspecto, a nossa experiência é justamente o oposto: por aqui, com bastante freqüência, vemos grandes empresas serem condenadas a pagar indenizações irrisórias em virtude de danos morais. Um caso muito comum é das pessoas que, sem motivo, ficam presas em portas giratórias de bancos, e que, na Justiça, acabam recebendo pequenos valores pelo constrangimento sofrido. Há um agravante em meio a tudo isso: as pessoas mais pobres recebem valores bem menores, como se fosse possível aferir a intensidade da dor, segundo o critério do status social e da renda pessoal.
É lógico que as empresas “condenadas” vão continuar a praticar o mesmo ato que deu causa ao pagamento da indenização de valor irrisório. Diante desse resultado, não haverá nenhum desestímulo para a empresa “condenada”, e nem aos outros que porventura tomarem conhecimento da decisão. Daí se vê que a tal da teoria do desestímulo, por aqui, é aplicada às avessas, em virtude dos baixos valores que, na prática, configuram um verdadeiro estímulo à reincidência. Isso tudo sem contar a famosa “tabela” informal do STJ, da qual se utilizam juízes e tribunais para fixar o valor das indenizações. Essa tabela, sob o pretexto de afastar o subjetivismo na fixação do valor monetário da reparação do dano, acaba por nivelar por baixo e pasteurizar os mais diversos casos, que, embora aparentemente semelhantes, provocam dor e sofrimento completamente diferentes nas pessoas atingidas. Em certos casos, o valor é tão ínfimo que, no final das contas, constitui mais uma ofensa à pessoa que esperava por alguma espécie de reparação, e de punição ao autor.
O que quisemos demonstrar aqui, nessas breves linhas, é que há algo errado nos dois sistemas, tanto no brasileiro quanto no americano, pois se este peca pelo exagero, o outro peca pela excessiva moderação dos valores. Como diziam os romanos, devemos evitar os extremos, pois a virtude está no meio, ou seja, na moderação.
João FranciscoNeto
Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutorem Direito Financeiropela Faculdade de Direito da USP
jfrancis@usp.br
ARTIGOS de JOÃO FRANCISCO NETO
NOTA DO EDITOR: Os textos dos articulistas não reflete necessariamente a opinião do BLOG do AFR, sendo de única e exclusiva responsabilidade de cada autor