A rebelião das massas

João Francisco Neto*

Em 1930, veio a público um importante livro, “A Rebelião das Massas”, do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, que acabou se tornando a sua obra central e, também, uma das principais do século 20. Afinal, o que trazia de tão interessante, assim, esse livro? Escrito em pleno período da ascensão do nazismo e das doutrinas fascistas e do comunismo, o livro fazia uma profunda reflexão dos comportamentos sociais das massas populares que compunham a sociedade contemporânea da época.

Suas ideias sempre voltam à cena, e principalmente agora, no Brasil, em que presenciamos protestos e manifestações de rua, de uma forma como ainda não conhecíamos. Afinal, sempre pensamos – e muita gente até escreveu livros sobre isso -, que o brasileiro fosse um sujeito cordial, “do bem”, que nunca se revoltava contra nada; enfim, era como se fôssemos dóceis “cordeirinhos”. Como temos visto ultimamente, as coisas não são bem assim. Ortega y Gasset era um pensador refinado e de grande cultura, e, por isso, em várias ocasiões, foi muito mal interpretado, e, em outras tantas, até difamado.

No seu livro, procura demonstrar que havia terminado a primazia das elites, e que, agora, as massas populares, livres para agir, passavam a provocar profundos transtornos nos valores culturais e nos padrões de comportamento da sociedade. O autor parece antecipar os traços da moderna sociedade de consumo, que poucas décadas à frente tomaria conta do mundo, agora dominado por multidões. Ao se referir ao homem-massa poderia parecer, à primeira vista, que essa expressão conteria um juízo de valor negativo em relação às pessoas comuns. Mas, longe disso, com essa expressão Ortega y Gasset apenas se referia a homens e mulheres que, envolvidos pelas massas, deixam de lado os seus valores individuais e passam, assim, a agir coletivamente, seguindo o resto, como pessoas comuns. O conceito não tem nada a ver com classe social, pois o homem-massa de que tratava Ortega podia ser encontrado nos mais variados extratos sociais, inclusive entre a elite e a nobreza. Para ele, “massa é todo aquele que não atribui a si mesmo um valor – bom ou mau – por razões especiais, mas que se sente como “todo mundo” e, certamente não se angustia com isso; sente-se bem por ser idêntico aos demais”.

O homem-massa teria a mesma configuração do “filisteu da cultura”, um conceito oriundo da filosofia alemã, que designa aquela pessoa que não estabelece para si nenhum projeto superior, apenas se interessa por cumprir simples determinações burocráticas para obter melhorias para a sua vida privada. E que mal haveria nisso, enfim? Para o autor, a princípio, não havia mal nenhum, a não ser no sentido de que as massas seriam facilmente manipuláveis e que, em regra, costumam atuar de forma violenta. Exemplo disso seriam as verdadeiras ondas populares que se formaram em torno de Mussolini, de Hitler e de Stalin. Segundo Ortega, o comunismo e o fascismo seriam claros exemplos de multidões arregimentadas que, ao final, acabam se convertendo em homens-massa.

Por outro lado, muitas instituições de ensino, ao promover a facilitação dos conteúdos didáticos como forma de promover a progressão dos estudantes, estão, na verdade, colaborando para a criação e a eternização do homem-massa, que não se esforça para obtenção de novos conhecimentos, e apenas e tão-somente repete o que lhe foi “ensinado”, sem nenhum exame crítico. Daí que as recentes manifestações populares, muitas vezes agressivas e violentas, funcionam como se fossem um despertar das massas que, por muito tempo, pareciam conformadas e adormecidas. O risco desse despertar é a tendência para a violência descontrolada, quando não mesmo orquestrada, como se tem visto nos últimos tempos, não só no Brasil, mas, também, em muitos países da Europa, bem como daqueles que foram alcançados pela “Primavera Árabe”, e dos Estados Unidos, entre outros.

jfrancis@usp.br

*Agente fiscal de rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro – Faculdade de Direito da USP

ARTIGOS de JOÃO FRANCISCO NETO

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