“Na Idade Média, de nada adiantou a maioria acreditar que a terra era plana e imóvel…“
O muito bem escrito texto “A maioria silenciosa”, de João Francisco Neto, publicado aqui no Blog do AFR, nos permitiria uma reflexão bem própria para o momento do país e do mundo. Lá o colega nos diz, resumidamente, que o ex-presidente Nixon sustentou que a maioria silenciosa nos EUA, que só queria viver sua vida e criar filhos num país estável, queria continuar a Guerra do Vietnã, contra a opinião expressa da minoria ruidosa, que queria seu fim. E, fazendo um paralelo com os dias atuais, o colega opina que possivelmente a maioria silenciosa hoje no Brasil, face à série de escândalos que assistimos, não concorda com os políticos que estão aí, e só desejaria trabalhar, viver e poder criar seus filhos com dignidade.
Pois bem, mas vejamos de outro modo a questão. Em primeiro lugar, penso que a maioria silenciosa nos EUA no tempo de Nixon realmente queria a continuação da guerra, que se mostrou equivocada depois, com a derrota. Pois a maioria lá pensa assim mesmo, que os EUA tem direito de mandar no mundo, invadir, matar, impor seu padrão e seu domínio. Depois que deu errado a maioria silenciosa mudou de lado à sua maneira, silenciosamente, e nem lembra mais que concordava com a guerra. E se os EUA tivessem vencido, possivelmente ela nunca teria mudado de ideia. Teria permanecido trabalhando (ou ganhando seguro desemprego, sustentado pelo resto do mundo via emissão de dólares pelos EUA), criando filhos com “dignidade”, e fazendo ouvidos de mercador para a morte de inocentes, como se faz na Palestina há bastante tempo.
Ocorre que a verdade nem sempre está com a maioria silenciosa, às vezes uma minoria ruidosa traz um aspecto que a maioria não concorda, mas que se mostra pertinente depois. Cito sempre o exemplo da maioria na Idade Média, de nada adiantou ela acreditar que a terra era plana e imóvel, pois ela se mostrou esférica, e em movimento. Em outras vezes, contudo, a maioria tem razão, é difícil saber, pois a história é imprevisível, caso não fosse seria simples demais, e até sem graça.
Por exemplo, quero usar meu direito de minoria ruidosa para dizer que discordo visceralmente que haja a corrupção e desvio de dinheiro público que apregoam no Brasil. Quem conhece a magnitude dos recursos arrecadados frente às demandas – e todo o funcionário da SEFAZ deveria conhecer – percebe facilmente que a esmagadora maioria dos recursos já está previamente destinada, vai para atender as demandas da sociedade, como educação, saúde, segurança, previdência, etc., e é pouco para atendê-las com a qualidade que a sociedade parece desejar. No Brasil semeiam-se expectativas que não são alcançáveis com os recursos envolvidos, depois que não se alcança – é óbvio, pois é impossível – joga-se toda a responsabilidade numa imaginária “corrupção desenfreada”, que não existe. É que aqui – talvez o único lugar do mundo – não se liga impostos com serviços públicos, parece que os valores disponíveis são infinitos e vem de algum lugar impreciso, e os serviços não são bons pois os políticos são maus. Assim não somos responsáveis por nada, podemos até jogar lixo não chão, sonegar impostos e passar no vermelho, a culpa é sempre dos outros. Para manter essa fantasia a mídia passa dia e noite procurando – pois as pessoas parecem necessitar disso – mínimos desvios, que não representam nada nos números globais dos orçamentos públicos. Se reduzíssemos a zero os seus valores, algo inexistente em qualquer país do mundo, não resolveria nada de nossos problemas de maus serviços públicos, que são maus por absoluta falta de recursos de impostos em valores suficientes para tê-los com qualidade. Se alguém quiser ter uma ideia disso leia o que diz a OCDE, em matéria do Estadão no link http://goo.gl/3pkJTg. Resumindo para quem não for ler, a OCDE diz que para o brasileiro ter serviços públicos equivalentes aos dos países ricos, a esfera pública brasileira teria de recolher 106% do PIB em impostos, o que é impossível, evidentemente. E sobre corrupção, indico a leitura da interessante matéria do link http://goo.gl/t6yq73. Nela um especialista em corrupção no mundo diz, por exemplo: “Além disso, sabemos que a corrupção atravessa o sistema político estadunidense. As corporações podem gastar dinheiro sem limites nas campanhas políticas para assegurar que seus candidatos sejam eleitos. Assim, não surpreende que mais da metade dos congressistas sejam multimilionários.” e ” … os países que encabeçam o ranking são Reino Unido, Suíça, Luxemburgo, Hong Kong, Singapura, Estados Unidos, Líbano, Alemanha e Japão. Estes são os principais centros de corrupção que devemos enfrentar.”Ou seja, a maioria em nosso país parece pensar que o Brasil é um mar de lama frente ao restante do mundo, e essa seria a causa de nosso atraso, mas está enganada. Isso me parece mais um artificio para se declarar irresponsável pelo país. Se temos crianças com fome, desigualdades e maus serviços públicos é por que quem tem dinheiro – muito dinheiro, cada vez mais dinheiro, pois somos campeões em concentração de renda – não quer dividir minimamente, através dos impostos, e então tem de alimentar essa fantasia, para poder dormir. Acrescente-se que historicamente no Brasil, sempre que chega ao poder um partido que quer dividir um pouco a produção do país – que é feita por todos – começa de sul a norte um imenso alarde. Parece que o mundo vai acabar, que vamos afundar num mar de lama. Foi assim com Getúlio Vargas, com João Goulart, e está sendo agora. Penso que o mundo não vai acabar, talvez acabe um velho mundo, que não considera iguais todos os brasileiros. Se for isso, de minha parte acho que esse velho mundo já vai tarde, pois sem um pingo de igualdade e solidariedade entre os cidadãos nunca teremos verdadeiramente um país, somente teremos, como hoje, um monte de indivíduos tentando dividir o mesmo espaço. Depois que as desigualdades se tornam insustentáveis, queremos resolver com grades ou polícia, mas isso não é uma boa ideia.
Quanto à maioria silenciosa não concordar com os políticos atuais, ela tem em breve uma chance de escolher outros, ou será que temos de importar políticos? Dos EUA deu para ver que não dá, nem dinheiro para suas “caixinhas” nós temos!!!
ARTIGOS de JOÃO BATISTA MEZZOMO
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