Gustavo Theodoro
O que temos visto nas respostas da SEFAZ sobre a denúncia do SINAFRESP envolvendo a Nota Fiscal Paulista são tentativas de contornar o principal ponto levantado na denúncia: o desvio de recursos que seriam destinado aos Municípios e à Educação. Com isso, fica a Sefaz se agarrando aos argumentos possíveis, mas inúteis. O melhor argumento apresentado pela SEFAZ é que a Fazenda está cumprindo a Lei que criou a NFP, Lei Nº 12.685, de 28 de agosto de 2007, que assim dispõe em seu artigo 8º:
Os créditos a que se referem o artigo 2º e o inciso IV do artigo 4º desta lei, bem como os recursos destinados ao sorteio de prêmios previsto no inciso III do referido artigo 4º, serão contabilizados à conta da receita do ICMS.
Muito bem. A Sefaz está seguindo a Lei que criou a NFP. Mas será que a Lei poderia ter feito esta referência à forma de contabilização dos recursos? Sabe-se que o orçamento público tem evoluído continuamente nos últimos anos. Houve a lei de 1964, que organizou o orçamento da forma como o conhecemo hoje. Muitas modificações foram feitas no período, a mais importante é a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101/2000. Se é Lei Complementar, tem respaldo constitucional (artigo 163, da CF/88). A Lei de Responsabilidade Fiscal buscou lidar com uma situação muito comum na época dos regimes inflacionários: a maquiagem do orçamento. Hoje, com a LRF e com o Manual de Receita Nacional (que é respaldado pela Lei Complementar), não há mais dúvida sobre como os lançamentos devem ser efetivados.
A SEFAZ apresenta, em sua defesa, um argumento teratológico: os créditos e prêmios, apesar de reduzirem receita e de não se tratarem de despesa, não são benefícios fiscais. Que não são benefícios fiscais, estou de acordo. A SEFAZ se adianta a declarar isto, pois se fossem benefícios fiscais, deveria ser observado o disposto no artigo 14 da LRF. A saída que a SEFAZ encontrou foi dizer que a distribuição de créditos e sorteios tem a natureza de imposto pago a maior. O imposto pago a maior como possibilidade de redução da Receita Bruta consta expressamente do item 11.1 do Manual de Receita Nacional, a que todos os entes federativos estão vinculados. Em se tratando de restituição de tributos pagos a maior, estaria correto o enquadramento que a Lei que instituiu a NFP pretendeu dar.
Mas sabemos que não se trata disso. Os créditos distribuídos pelo programa (não vou nem entrar nos valores distribuídos por sorteio, pois quanto a estes não há a menor dúvida que não poderiam reduzir a receita bruta) não se tratam de devolução de imposto pago a maior. O fenômeno tributário ocorreu, nasceu a obrigação tributária que foi extinta com o pagamento. O que acontece a partir daí já não tem vinculação com esta relação jurídica. A NFP devolve créditos (veja que a base de cálculo dos créditos distribuídos é diferente da base de cálculo do imposto, incidindo sobre os valores efetivamente recolhidos pelo sujeito passivo da obrigação tributária) ao contribuinte de fato, pessoa que, para o CTN, não existe (exceto pela referência lateral feita a ele pelo artigo 166). Aliás, o CTN é claro ao dizer, em seu artigo 165, que a restituição decorre de pagamento indevido e quem tem direito a ela é o sujeito passivo. O contribuinte de fato, o consumidor, não tem papel na regra-matriz de incidência, razão pela qual créditos concedidos a ele não podem ser confundidos com restituição de tributos.
Por isso, a restituição do IR é muito diferente da distribuição de créditos na Nota Fiscal Paulista. Primeiro, trata-se efetivamente de imposto pago a maior no IR-fonte apurado posteriormente no ajuste anual. Segundo, o valor pago a maior é devolvido ao contribuinte, ao sujeito passivo da obrigação tributária, àquele que pagou a maior o tributo.
Assim, tanto a distribuição de créditos como os recursos destinados aos sorteios dos prêmios deveriam ser contabilizados como despesa, o que não afetaria a participação dos Municípios, das Universidades e do FUNDEB na repartição do ICMS arrecadado.
Concluindo, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Manual de Receita Nacional vedam o registro dos créditos na forma estabelecida pelo artigo 8º da Lei 12685/07. A SEFAZ vai continuar dizendo que está cumprindo a Lei. Está demonstrado que a lei que instituiu NFP viola a LRF. A LRF é Lei Complementar com respaldo na CF/88. Logo, no mérito, está correto o Sindicato e errada a SEFAZ. O que vier por aí se trata do justo e compreensível jus esperniandi.
Nota do editor: os textos dos articulistas não reflete necessariamente a opinião do BLOG do AFR, sendo de única e exclusiva responsabilidade de cada autor.