Todas as pessoas que um dia já foram alunos ou professores conhecem a seguinte cena: o professor explica determinado assunto em sala de aula; o aluno ouve, acha que entendeu, elabora suas ideias e as registra no caderno; na prova, o aluno responde a uma questão utilizando-se de suas anotações; quando se depara com a correção da prova, o aluno se surpreende: sua resposta está errada. Esse é um problema recorrente na área de comunicação, que tem a ver com a chamada “maldição do conhecimento”.
Quando uma pessoa tem muito conhecimento sobre determinado assunto – o professor, por exemplo – perde a capacidade de imaginar o que é não saber nada sobre aquilo. A “maldição” se dá quando a pessoa que sabe muito fica incapacitada de se situar no mesmo nível de conhecimento (ou desconhecimento) das demais pessoas que a escutam. Dessa forma, a mensagem não chega clara ao ouvinte, porque a pessoa que sabe muito assume que os outros também sabem, e, assim, descuida-se de passar detalhes importantes para o perfeito entendimento da mensagem. Em resumo, a “maldição do conhecimento” ocorre sempre que sabemos, ou achamos que sabemos alguma coisa, e isso nos causa uma enorme dificuldade para entender que as outras pessoas podem não saber quase nada sobre o mesmo assunto.
Isso hoje nos parece algo óbvio, porém esse fenômeno só veio a ser objeto de estudos a partir 1990.
Nesse ano, uma aluna de psicologia da Universidade de Stanford (Estados Unidos), Elizabeth Newton, apresentou em sua tese de doutoramento um jogo aparentemente simples: dividiu os estudantes em dois grupos, um deles chamado de batucadores (“tappers”), e outro de escutadores (“listeners”). O grupo dos batucadores recebeu uma lista de 25 canções, todas muito fáceis e conhecidas, como “Jingle Bells” e “Feliz Aniversário”; sua função era reproduzir essas músicas, somente batucando o som em uma mesa, sem cantá-las. A função do grupo dos escutadores era identificar a música, apenas com base no ritmo dos batucadores. Foram reproduzidas 120 canções, e apenas 3 foram identificadas (2,5% do total). Antes de iniciar o experimento, a pesquisadora Liz Newton havia apurado entre os alunos que eles estimavam que o resultado daria 50% de acertos, um número bem diferente dos 2,5% a que chegaram.
A explicação de Newton foi a seguinte: quando os batucadores estavam reproduzindo as canções, eles, inconscientemente, “escutavam” a melodia em suas cabeças, ao passo que o grupo dos “escutadores” não podia escutar mentalmente a melodia; apenas ouviam os golpes na mesa. Assim, para os batucadores, a canção parecia óbvia. Daí, Elizabeth Newton concluiu que, uma vez que sabemos algo, achamos muito difícil imaginar como seria não sabê-lo, e, por isso, concluímos, também, de forma errada, que aquilo que sabemos é uma coisa óbvia para todo mundo.
É a tal da “maldição do conhecimento”, que ocorre num contexto em que há assimetria entre quem transmite a informação e quem a recebe, ou seja, entre professores e alunos, pais e filhos, publicitários e consumidores; políticos e eleitores, administradores e trabalhadores, etc.
Como superar isso? Para se transmitir a informação correta, de uma maneira efetiva, uma estratégia é ter consciência da limitação imposta pelo fenômeno da “maldição do conhecimento” e tentar passar a ideia de forma clara, concreta e simples, e, principalmente, nunca se esquecer de que a porcentagem de pessoas que vão receber corretamente a sua mensagem pode ser muito menor do que você imagina. O desafio a ser superado é justamente este: tentar ampliar ao máximo possível o número de pessoas que receberão sua mensagem, de forma fluida e compreensível.
*Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)
ARTIGOS de JOÃO FRANCISCO NETO
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