João Francisco Neto
No dia 4 de abril de 1833 aportou no Rio de Janeiro o navio de expedição inglês “Beagle”, trazendo a bordo um jovem cientista da Universidade de Cambridge, Charles Darwin, então com apenas 22 anos de idade, para uma viagem ao redor do mundo, que duraria quase cinco longos anos. Ninguém sabia, e possivelmente nem mesmo Darwin, mas aquela viagem ficaria para a História, pois as experiências colhidas pelo mundo afora serviram de base para que Darwin escrevesse um dos livros mais influentes para a humanidade: “A Origem das Espécies”. Lançado em 1859, essa obra provoca discussões até hoje. Em qualquer lista que se consulte, ela sempre estará entre as 10 mais importantes até hoje escritas.
Mas o que trazia de tão terrível, assim, um livro redigido com base em observações de plantas e animais?
Com esse livro, Charles Darwin lançaria as bases para a chamada “teoria da evolução”, indicando que o homem, como as demais espécies, era resultado da evolução e mutação de outras espécies, que ao longo dos tempos, iam sofrendo alterações por meio da seleção natural que ocorre no ambiente da natureza. Aí estava a pedra angular do problema: até então acreditava-se na visão religiosa da criação do mundo e do homem, como descrito na Bíblia, no livro do Gênesis – teoria denominada de “criacionismo”.
Por isso, desde a publicação do livro, Darwin passou a ser alvo de duras críticas, ironias, e até agressões, fatos que, por incrível que pareça, continuam ocorrendo até nossos dias, vindos principalmente dos setores cristãos fundamentalistas que não aceitam a teoria da evolução de espécie humana, e acreditam que o mundo foi criado mesmo em seis dias, como descrito na Bíblia.
No Brasil esse debate público é quase imperceptível, porém, nos Estados Unidos, trava-se uma verdadeira batalha entre criacionistas e evolucionistas. O principal campo de batalha está nas escolas públicas, que, dependendo do Estado, ficam obrigadas a assegurar que, no currículo, seja concedido igual tempo ao ensino das duas visões, tanto à evolução da Darwin quanto à teoria religiosa da criação do mundo e do homem. Trata-se de um problema tão sério nos Estados Unidos que acabou se tornando uma questão politica que se arrasta desde o século 19, mas que ganhou corpo a partir do início do século 20, com a expansão do movimento fundamentalista protestante. Esse movimento, que só admite a interpretação literal do texto bíblico, propõe que toda a política deva estar fundamentada na doutrina cristã. Aqui já se vê que, misturando-se política com religião, as coisas não iriam dar certo.
Nos anos de 1920, os fundamentalistas cristãos promoveram uma verdadeira cruzada para que fosse proibido o ensino da teoria da evolução de Darwin nas escolas americanas. Alegavam que o ensino da teoria da evolução levaria os estudantes a perder a fé na Bíblia, o que ameaçaria a coesão do tecido moral da sociedade. Para os fundamentalistas cristãos, o viés ateu da teoria da evolução, na medida em que, contrariando a autoridade do texto bíblico, acabaria por provocar a decadência moral da nação. De lá para cá, esse debate continua, ainda que com argumentos um pouco diferenciados, como, por exemplo, o chamado “criacionismo científico”, que continua não aceitando a teoria da evolução de Darwin, mas procura confrontá-la não apenas com argumentos bíblicos, e sim com supostas provas científicas da criação do mundo, conforme a narrativa judaico-cristã.
O fato é que essa discussão prossegue nos Estados Unidos, haja vista que, segundo pesquisas recentes, quase a metade da população acredita que a criação do homem e do mundo se deu exatamente como o descrito no livro do Gênesis. É a chamada “América profunda”, pouco conhecida por muitos estrangeiros que, em geral, imaginam que os Estados Unidos sejam uma grande Nova York misturada com Miami, Orlando e Hollywood. No fundo, a América real é bem diferente.
*Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)
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