João Francisco Neto
Diversas categorias profissionais têm por hábito a utilização de uma linguagem particular que, reunindo termos compreendidos apenas por eles próprios, acaba por formar aquilo que se denomina de “jargão profissional”. Uma das mais conhecidas é a classe dos chamados operadores do Direito, formada por advogados, juízes, promotores, procuradores e consultores jurídicos, entre outros. Mas, enfim, o que há de errado com essa linguagem própria? O problema é que, por força da tradição e dos costumes, a linguagem jurídica acaba se tornando de difícil compreensão para o cidadão comum, que lê o texto, mas não consegue entendê-lo perfeitamente, embora, muitas vezes, seja ele o principal destinatário da mensagem. Os profissionais da área, por sua vez, acabam empregando essa linguagem sem refletir sobre esses efeitos nocivos; e há até aqueles que não abrem mão do rebuscado “estilo jurídico”, por considerá-lo uma ferramenta privativa da classe profissional. É um erro. De uns tempos para cá, muita reflexão tem sido feita, na tentativa de simplificar a linguagem e a redação forense, tornando-as mais claras para a maioria das pessoas. Afinal, sempre que escrevemos um texto, seja lá de que natureza for, o objetivo é que a mensagem possa alcançar a todos. Entretanto, nem sempre isso acontece.
Desde logo, é bom esclarecer que esse problema não existe somente no Brasil. No final da década de 1990, iniciou-se na Inglaterra um movimento para descomplicar a linguagem jurídica, que, ao que consta, lá era bem mais confusa do que aqui. O inglês jurídico (chamado de “legalese”) incorpora expressões do latim, do inglês arcaico e do francês, muitas delas originárias da época da elaboração da Carta Magna (ano de 1215) e da invasão normanda (ano de 1066). A campanha vem dando tão certo que, hoje, a redação jurídica praticada na Inglaterra é muito mais clara e compreensível do que a dos Estados Unidos, que permanece recheada de expressões provenientes do latim e do inglês utilizado nos primórdios da common law. Por isso, nos Estados Unidos também há muitas reclamações sobre a falta de clareza da linguagem jurídica; com tudo isso, lá a mudança está como aqui, ou seja, bem lenta, quase imperceptível. Na prática, nada vem mudando; o que há são apenas discussões, debates e alguma reflexão sobre a necessidade de simplificar a linguagem forense. É muito difícil derrubar costumes e tradições, que fazem parte da formação acadêmica dos profissionais, cuja maioria, no fundo, faz de tudo para preservá-los.
Na Inglaterra, o movimento para essa mudança envolveu associação de juízes, tribunais, ordem dos advogados, faculdades de direito, revistas jurídicas, a imprensa, grupos organizados da sociedade civil, enfim, praticamente todo o país. Foram realizados congressos, seminários, palestras, manuais e apostilas, tudo para divulgar o benefício que poderia resultar de uma mudança dessa natureza. Lá, num dos diversos manuais distribuídos ao público, consta uma síntese dos problemas encontrados nos textos mais complicados, e que, obviamente, devem ser evitados, seja em inglês ou em português:
a) frases e períodos muito longos (seja breve e direto);
b) uso da voz passiva (sempre que possível, empregue o verbo na voz ativa);
c) uso de verbos fracos (utilize verbos que caracterizem claramente a ação;
d) emprego de palavras supérfluas, que, além de desnecessárias, tornam o texto mais longo;
e) utilização de palavras e expressões abstratas (procure aproximar o texto da realidade, com palavras apropriadas para a situação concreta);
f) detalhamento desnecessário (o excesso pode prejudicar a clareza do texto);
g) o emprego excessivo de expressões e termos técnicos conhecidos apenas pela categoria profissional (se não houver prejuízo, substitua por expressões de uso geral); e
h) a utilização de expressões em latim, ou em línguas estrangeiras, sempre que possível, deve ser restringida ao mínimo, nos casos em que não for possível evitá-las.
Enfim, o que se espera de um bom texto, jurídico ou não, é que seja claro, objetivo, conciso, que observe as regras gramaticais da língua, que evite palavras estranhas e expressões obscuras, para não dar margem a segundas interpretações, que empregue as palavras mais simples e adequadas à situação, e que vá direto ao ponto, sem voltas desnecessárias. Na maioria das vezes, devemos ser econômicos no uso das palavras, pois, escrevendo menos e de forma mais precisa e objetiva, não daremos margem a interpretações equivocadas. Por fim, quem escreve nunca pode se esquecer de que a redação deve servir para esclarecer as situações, e não para torná-las mais confusas, principalmente quando se trata de documentos, relatórios de serviço, processos, petições, decisões, recursos, etc.
* Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)
ARTIGOS de JOÃO FRANCISCO NETO
NOTA: O BLOG do AFR é um foro de debates. Não tem opinião oficial ou oficiosa sobre qualquer tema em foco.
Artigos e comentários aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores.