João Francisco Neto
Quando lemos a expressão “mar de lama” imediatamente nos vem à mente o trágico acidente ocorrido na cidade de Mariana, que provocou a perda de vidas, a contaminação do rio Doce e até de parte da orla marítima, por conta do mar de lama tóxica que desceu por centenas de quilômetros. Todavia, não é de hoje que essa expressão faz parte do imaginário popular brasileiro. A expressão teria sido criada na década de 1950, pelo deputado e jornalista Carlos Lacerda, que repetia com insistência, nas páginas do jornal “Tribuna da Imprensa”, que nos porões do Palácio do Catete corria um verdadeiro “mar de lama”. O Palácio do Catete era a sede da Presidência da República no Rio de Janeiro, e a intenção de Lacerda era atacar politicamente o então presidente da República, Getúlio Vargas. Ironicamente, depois que Vargas saiu da vida para entrar na História, verificou-se que o tão falado mar de lama não era de fato um mar; ao contrário, resumia-se a um ou outro deslize de pequena monta, sem a participação do presidente. Mas, aí já era tarde, e a expressão ficaria consagrada como as situações políticas de muita corrupção, desmando e descontrole.
O Brasil já atravessou por vários períodos políticos que, a rigor, poderiam ser caracterizados como um mar de lama, mas seguramente nenhum deles ofereceu uma percepção tão clara e descarada como o atual. Afinal, o noticiário político e criminal vem se constituindo numa infindável sequência de escândalos de corrupção, em proporções jamais vistas por aqui e praticadas por autoridades e empresários que, até então, gozavam da mais alta reputação. Ao povo fica a imagem de que a República era sustentada por colunas de areia, que, aos poucos, vão se desmoronando ao som das denúncias, cada uma mais cabeluda do que a outra. Ao que parece, ainda não chegamos ao fundo do poço, pois o instituto da delação premiada vai propiciar que muito mais coisas venham à tona. Infelizmente, em matéria de política nacional e denúncias de corrupção, vigora por aqui uma das famosas leis de Murphy: “Não há nada tão ruim que não possa ficar pior ainda”.
De uns tempos para cá, a população assumiu que temos de “passar o Brasil a limpo”, para varrer toda a sujeira representada pela corrupção, a roubalheira, o mau-caratismo, o jeitinho brasileiro, o fisiologismo, a política dos interesses escusos, a vontade de se dar bem em tudo, sempre. Enfim, por tudo isso e muito mais é que o Brasil não figura entre as nações mais civilizadas, apesar de agraciado com uma natureza generosa. Já tivemos várias oportunidades para “passar o Brasil a limpo”: em 1960 o então candidato a presidência da República Jânio Quadros correu o Brasil com sua “vassourinha”, para varrer toda a corrupção; mais tarde, o Brasil foi envolvido numa verdadeira comoção nacional no período das “Diretas-Já” e da Constituinte de 1988; e, em 1989, o ex-presidente Collor elegeu-se no bojo de um movimento que prometia acabar com os marajás da República. Infelizmente, nada disso deu certo: Jânio revelou-se um presidente confuso e trapalhão; as Diretas-Já e a Constituinte trouxeram avanços, mas nada que mudasse o jeito de fazer política; e Collor, todos vimos no que deu, Aliás, a saga continua no Senado Federal. Agora, a esperança do povo está depositada na “Operação Lava-Jato”. Vejamos até onde vai, e o que realmente vai mudar depois dela. Enquanto isso, o mar de lama avança.
* Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)
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