Peleguice Sindical – O Sindicalismo de negócio no Brasil

Francisco das Chagas Barroso*

Esta semana foi publicada na imprensa local, notícia dando conta de que o governo atual de Rondônia cooptou os sindicatos de várias categorias do Estado, através de benesses às diretorias e parentes dessas entidades.

O jornal cita como exemplo emblemático desse peleguismo a atuação do SINDAFISCO/RO – Sindicato dos Auditores Fiscais do Estado, onde, não só grande parte da diretoria, mas também o próprio Presidente –  que  à revelia do estatuto da entidade que o proíbe de exercer cargo comissionado – foram agraciados com cargos comissionados no alto escalão do governo, a despeito das más condições de trabalho da categoria (falta de salubridade e segurança nos postos fiscais, falta de viaturas, etc..)

É lamentável essa atitude dos sindicatos do estado, mas a prática de cooptação dessas entidades, através do oferecimento de cargos e benesses aos membros e a parentes da diretoria, a despeito de ser desprezível, sempre foi muito utilizada em ditaduras e em países com instituições frágeis.

Como bem alerta a matéria jornalística publicada:

“trata-se de uma atitude vil e covarde por parte das diretorias sindicais, pois toda entidade sindical tem por obrigação, em respeito aos filiados, se manter desvinculada do governo, pois só assim, terá legitimidade e isenção para tratar das questões de interesse da categoria”

Esta realidade de Rondônia, aparentemente local, retrata, na verdade, uma realidade de todo o país, tanto no âmbito público como no privado, onde o sindicalismo de massa, de luta, vem se desconstruindo ao longo dos tempos, passando de “sindicalismo de negociação” para um “sindicalismo de negócio”, de “sindicalismo de base” para “sindicalismo de diretoria”, não raro constituída por dirigentes corruptos, avessos ao trabalho e ávidos por poder, muitas vezes se perpetuando por muitos anos, seja pela reeleição, seja pelo revezamento.

Por vezes, grandes centrais sindicais, como a CUT – Central Única dos Trabalhadores, agem como coordenadores de massas de manobras de trabalhadores a serviço de governos de esquerda, como o governo do PT.

Nas palavras de Bibiano Girard, “o pelego, na sua forma denotativa, é o couro junto à lã retirado da ovelha para servir de assento ao cavalariano sem que este machuque o quadril no cavalgar, mas que não elimina o peso sobre o cavalo. No sindicalismo, pelego é aquele “companheiro” que se deixou levar pelas insistências patronais ou que se desviou da verdadeira luta da classe a favor dos opressores”.

A expressão “peleguismo” tornou-se bastante conhecida na ditadura Vargas, onde este presidente baixou a Lei de Sindicalização, submetendo os estatutos dos sindicatos ao Ministério do Trabalho.

Durante a ditadura militar, o peleguismo foi a expressão do estado repressor, muito bem sucedido na cooptação sindical, invadindo as representações dos trabalhadores com seus tentáculos maléficos. A despeito disso, atuações isoladas no ABC paulista resistiram a essa prática, como os movimentos grevistas de São Bernardo do Campo, em 1978 e a grande greve do ABC de 1979.

Por ironia do destino, o mesmo Lula que comandou tais lutas marcadas na história do sindicalismo nacional, colaborou para a desconstrução sindical no seu governo.

“Com o PT no governo, iniciou-se um novo e triste processo de peleguismo, presente, tanto na CUT, como em outras centrais sindicais corrompidas pelo governo Lula. A volta do peleguismo transformou o sindicalismo, modo geral, num antro de corrupção, prestando-se aos interesses da burguesia que “nunca antes, na história desse país” gozou de tanta tranquilidade e fartos lucros” (artigo publicado em gilvanrocha.blogspot.com).

Nestes últimos tempos se fala em neo-peleguismo, expressão traduzida no amaciamento sindical, tolerante às flexibilizações dos direitos trabalhistas no âmbito do chamado neo-liberalismo.

Em resumo, consta-se que o histórico esfriamento sindical decorreu, principalmente no âmbito privado, além do peleguismo, de fatores econômicos, políticos e estruturais do país.

Por outro lado, a prática do peleguismo, sem merecer uma explicação mais bem elaborada, decorre da má fé, da desonestidade e da preguiça moral dos dirigentes sindicais.

Como bem coloca a matéria de Rondônia: “Por trás de todo sindicato pelego sempre há uma diretoria comprada, filiados omissos e um governo corrupto”.

Nesse contexto, não se revelam grandes dificuldades em se caracterizar e identificar um sindicato pelego, que é a conjunção da diretoria e filiados pelegos, conforme se enumera:

a) toda diretoria pelega prega que: ”é melhor um mau acordo do que uma boa briga”;

b) toda diretoria pelega aceita do patrão/governo dissimuladamente, agrados, cargos ou benesses para sí ou para parentes;

c) toda diretoria pelega defende a tese de que não deve satisfações à sociedade ou às autoridades, mas somente aos seus filiados;

d) diretorias pelegas adotam atividades assistencialistas aos seus filiados, principalmente com a finalidade de angariar simpatias e vínculos de favores, compensando assim, a falta de atuação;

e) diretorias pelegas gostam de se perpetuar no poder, seja com o mecanismo de reeleição ou através de revezamento num grupo fechado que tem identidade pelega;

f) toda diretoria pelega, sem noção de austeridade, é ávida às viagens, seminários e encontros sindicais em cidades turísticas, de onde nada de proveitoso se extrai, exceto o próprio deleite e mordomia;

g) toda diretoria pelega gosta de proferir discursos bonitos e fotografar ao lado de políticos famosos, além de reuniões com bancadas. Entretanto, num curso de um mandato inteiro, ou mais, na prática, não há nada de concreto ou avanços nas matérias de interesse da categoria;

h) toda diretoria pelega, em épocas de eleições, por vezes tenta impor o nome de um candidato ou partido aos filiados, não respeitando a preferência ou identidade político/ideológica dos mesmos;

i) todo filiado pelego aceita com parcimônia a atuação pelega da diretoria, não se insurgindo contra nada, não representando ao conselho fiscal ou à justiça as irregularidades que sabe, sempre achando que pode atrapalhar alguma negociação, onde eternamente aguarda alguma “conquista” que não chega.

j) todo filiado pelego se contenta com a prestação de contas fajuta do sindicato, não tendo coragem de exigir as notas fiscais e extratos bancários da entidade, para uma apuração mais detalhada.

k) todo filiado pelego não participa das reuniões e quando participa, não demonstra sua indignação diante da falta de atuação ou de irregularidades cometidas pela diretoria.

Portanto, sem generalizações e respeitadas as exceções dos sindicatos sérios, não é difícil observar, a partir da realidade presente, que o movimento sindical brasileiro, seja no setor público ou privado, está esfacelado, sem lideranças, tomado pela peleguice e como os políticos, despido de reserva moral e sem credibilidade. Analogicamente ao mundo político, embora em um universo restrito, os trabalhadores das categorias não sabem eleger seus representantes ou não tem muitas opções.

Nesse Establishment de peleguice, não há muito que se esperar a curto e médio prazo, pois como já foi enfatizado, há um componente de ordem moral na peleguice sindical. Ainda temos muito que percorrer, embora, historicamente, tenhamos experimentado ciclos de virtuosidades da luta sindical, por vezes aplacadas pelas circunstâncias históricas, como na ditadura Vargas, ditadura militar e ditadura lulista.

Avanços mais significativos irão depender do avanço do processo civilizatório da própria sociedade, de onde provém os trabalhadores, de onde provém os sindicatos e dirigentes sindicais.

*Francisco das Chagas Barroso é Auditor Fiscal – Pós Graduado em Direito Público

franchaba@bol.com.br

 

Leia também:

Lesa Rondônia: Sindafisco se omite

PERFIL e ÍNDICE de ARTIGOS de FRANCISCO DAS CHAGAS BARROSO

NOTA DO EDITOR: Os textos dos articulistas não reflete necessariamente a opinião do BLOG do AFR, sendo de única e exclusiva responsabilidade de cada autor.

One Comment to “Peleguice Sindical – O Sindicalismo de negócio no Brasil”

  1. O artigo descreve a face canalha do sindicalismo brasileiro. MAs o que mais gostei foi do termo usado: “ditadudura lulista”

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