Impostos e revoluções

João Francisco Neto

Na crise em que o Brasil se encontra atolado, as propostas de ajuste fiscal apresentadas pelo governo indicam sempre para o mesmo caminho: o manjado aumento de impostos. Os cortes de gastos são apenas retoques cosméticos, que de quase nada adiantam; valem apenas pelo seu efeito propagandístico, pois, no fundo, a máquina pública continua a mesma baleia, lenta e ávida por recursos (do povo, é claro!). Daí a permanente necessidade de se arrecadar mais e mais tributos. Não é de hoje que os governos procuram a saída mais fácil que é exigir sempre mais impostos do povo. Muito antes de Cristo, no Império Romano, já era assim: dos povos dominados exigiam-se altas somas de valores, a título de impostos, que poderiam ser pagas em ouro, mercadorias, colheitas ou até mediante o trabalho humano. Vez por outra eclodia uma revolta, motivada por abusos na tributação. Aliás, é bastante conhecida a passagem bíblica em que os judeus, procurando intrigar Cristo com o governador romano, ouvem a resposta magistral: “A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Vejam que até Cristo teria reconhecido o direito que os Estados têm de arrecadar impostos. O problema são os governantes, que, sem nenhum limite, sentem-se à vontade para explorar o povo, sempre com exigências cada vez mais pesadas. Se hoje, com as rigorosas restrições traçadas pela Constituição, os governos dão um jeito para exagerar na cobrança dos tributos, imagine-se o que ocorria nos séculos passados. Essa questão acabou motivando inúmeras rebeliões e revoltas, pelo mundo todo, todas provocadas pelo descontentamento do povo diante dos excessos na tributação.

Para ficarmos apenas nos fatos mais notórios e importantes, apontamos aqui a revolta dos barões ingleses, no ano de 1215, que explodiu por questões tributárias, na medida em que o rei passou a exigir insuportáveis somas de impostos, para cobrir os prejuízos das campanhas militares desastrosas. Essa revolta, como se sabe, resultou na capitulação do rei, que foi obrigado a assinar a “Magna Carta”, considerada a origem das modernas constituições. Mais tarde, em 1688, na mesma Inglaterra, a Revolução Gloriosa, além de tratar de outras questões, impôs forte limitação à cobrança de impostos. Nos Estados Unidos, a Revolução Americana (1776) teve como eixo central a revolta dos colonos contra os abusos de cobrança de impostos por parte da Coroa Inglesa. A questão tributária funcionou como o combustível que desfechou a onda revolucionária, que resultou na independência das colônias americanas. De igual forma, ocorreu com a Revolução Francesa, em 1789. Já fazia algum tempo que as finanças públicas francesas estavam arruinadas, o que demandava constantes aumentos de impostos, contra uma população sofrida e explorada, que assistia a um festival de luxo, soberba e desperdício, ostentado pela alta nobreza. A Revolução chegou de mansinho, mas logo descambou para um espetáculo de sangue, com milhares de cabeças nobres rolando pela guilhotina. Ao final da revolução, estava definitivamente superada a era medieval, com a abolição de toda e qualquer espécie de impostos e direitos feudais, como dízimos, vassalagens, etc., implantando-se um sistema tributário moderno e racional, que viria a perdurar até o início do século XX. No Brasil também tivemos muitas revoltas populares, motivadas por abusos na cobrança de impostos. Dentre todas, a mais famosa foi a Inconfidência Mineira, que desaguou na execução de Tiradentes. Como se sabe, a truculenta exigência da “derrama” (a cobrança dos impostos atrasados, relativos ao percentual de 20% de todo o ouro produzido em Minas Gerais) desencadeou a rebelião.

ba608-zioterroristDiante desses recortes históricos, de amplo conhecimento, a que conclusões podemos chegar? Algumas, como:
1ª) Por aqui, sempre que se fala em reforma tributária, o que o governo deseja mesmo é somente um aumento da arrecadação, seja lá por que meio for. Na impossibilidade de se aumentar o número de tributos, procura-se, então, “alargar” as bases tributárias dos impostos já existentes; dessa forma, o “novo modelo”, no fundo, vai aumentar a carga tributária. Porém, como esse truque já foi identificado, a tal da reforma tributária nunca é aprovada;
2ª) Há pouco, o economista Eduardo Gianetti disse uma frase interessante: “o tamanho do Estado brasileiro não cabe no PIB”; o pior de tudo é que o Estado continua aumentando;
3ª) A nação brasileira foi concebida sob o signo das capitanias hereditárias, uma espécie de parceria público-privada em que o Estado entrava com tudo e o particular beneficiado apenas com a vontade. Vontade de trabalhar e produzir? Não; vontade de explorar e escravizar outras pessoas, cobrar todo tipo de tributos, e viver da produção alheia. Para “realizar” tudo isso, precisavam de cartórios, privilégios, monopólios, e todos os tipos de favores oficiais;
4ª) Infelizmente, essa ideologia do atraso foi a gênese da ineficiência do nosso empreendedorismo. Deu no que deu: com tudo cartorializado, os poderosos de plantão nunca precisaram buscar a eficiência em coisa alguma; bastava ter o poder de arrecadar, gastar e nomear pessoas de seu círculo íntimo.

Por essas e por outras, não é de hoje que o povo anda farto com abusos dessa natureza. Porém, como sempre, todos os governos fazem ouvidos de mercador e seguem em frente, arrecadando e gastando (mal) cada vez mais, e anunciando e prometendo todo tipo de reformas, que nunca saem. Vejamos até quando a paciência do povo suportará esse estado de coisas.

jfrancis@usp.br

* Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)

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