Cadeira elétrica no Senado

jan 2011

Sarney não é um homem comum. Sarney nunca almejou ser presidente da República e muito menos do Senado. Sarney nasceu no Maranhão. Por muitos anos Sarney viveu no Maranhão. Por força do destino a família Sarney é dona de metade do Maranhão, e não por acaso Sarney controla praticamente todo sistema de comunicação do estado (rádio, tv e jornais, mesmo com a proibição de parlamentares serem donos de empresas de mídia).

Nos últimos sessenta anos, para chegar ao poder e manter-se no Poder, Sarney teve que engolir muitos sapos e fazer muitas promessas.  Só faltava Sarney ser eleito pela quarta vez para a Presidência do Senado. Seria seu gesto de despedida da política, uma forma de sair por cima da carne seca, último sacrifício que ele faria em honra ao povo brasileiro.

O homem do choque de gestão chega ao Senado

Sarney é a cara do Senado. Se o Senado não existisse, Sarney o teria inventado. Em sua origem, o Senado Romano era um conselho de anciãos.  O termo Senado vem do latim senex, que significa senil ou velho. Na política desde 1950, Sarney é um gerontocrata em fim de carreira.

Enquanto José Sarney assumia a Presidência do Senado pela quarta vez, Aécio chegava à Câmara Alta, esbanjando seu carisma de político jovem, atlético, dinâmico. Os meninos do DEM que o digam. ACM Neto era todo elogios: “Aécio é o nosso líder”.

Aécio, ainda que na aparência seja o antípoda do autor de Marimbondos de Fogo, guarda alguns pontos em comum com José Sarney. Primeiro: os dois são herdeiros políticos de Tancredo. Segundo, da mesma forma que Sarney, Aécio também nunca quis ser Presidente da República: – na verdade, esse é o sonho dos leitores do jornal Estado de Minas, manifestado em longos editoriais. Em terceiro, os dois não são agarrados a seu estado de origem. Sarney elegeu-se para o Senado pelo estado do Amapá. Aécio nasceu nas montanhas Gerais, mas sempre gostou das praias dos cariocas; eleito governador, Aécio viu-se obrigado a gostar de Minas sempre nas quartas feiras.

Contudo, ao contrário de Sarney, Aécio, mesmo não querendo tanto, ainda não conseguiu se eleger Presidente da República. Teria faltado a Aécio a vontade de não querer um pouco mais?

Com a chegada de Aécio ao Senado da República, a boa vida de Sarney está prestes a mudar. Sarney em breve irá cuspir fogo. Se a política tivesse lógica, Aécio manteria distância do ultrapassado José Sarney. Não será bom para a imagem de Aécio, garoto Propaganda do Choque de Gestão, envolver-se com pessoas que não comungam de idênticos princípios administrativos.

O Senado é um reduto de vícios nada republicanos: folha de pagamento inchada, excesso de cargos comissionados, servidores recebendo acima do teto constitucional (inclusive o próprio Presidente Sarney), excesso de mão de obra terceirizada, apadrinhados de senadores em nomeações cruzadas.

Com a experiência adquirida em oito anos de Choque de Gestão, quando esteve no Comando do Governo de Minas, será fichinha para Aécio Neves enquadrar os Senadores da República. Do alto de sua cadeira elétrica, bastará ao mineiro aplicar um choquinho bobo de apneas 1,5 bilhão de Reais por ano (metade da folha de pagamento da Casa). Na certa, a primeira medida de Aécio será a redução do próprio salário, acompanhado da sugestão de congelamento do subsídio dos senadores para R$ 10,5 mil (mantidas as verbas indenizatórias).

Em nome da ética e da moralidade administrativa, Sarney não desperdiçará os dotes gerenciais de Aécio. Em 2009, no auge do escândalo dos atos secretos, acuado pela imprensa, por pouco, muito pouco, Sarney não implantava no Senado uma ampla Reforma Administrativa, “modernizando” a Casa.  Por sorte (que Sarney tem de sobra), aconteceu um novo escândalo, os jornalistas deram uma folga ao seu bigode, e a vontade de reformas passou. Sarney não só engavetou os projetos de modernização, como sobreviveu a dez pedidos de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar.

Diante do escândalo dos atos secretos, nomeação de funcionários fantasmas e outras barbaridades, seria normal que Sarney fosse cassado pelo plenário do Senado. Mas o Brasil não é um país normal. Sarney não foi defenestrado da Presidência do Senado em 2009, como não teve pejo em recontratar a Fundação Getúlio Vargas pra fazer pela segunda vez a mesma consultoria (R$ 250 mil cada), com as mesmas recomendações que seriam regiamente ignoradas pela Presidência do Senado, vírgula por vírgula.

O fato é que as propostas da FGV não agradaram aos servidores e senadores. Haveria cortes de benefícios, extinção de diretorias, perseguição de fantasmas, revisão de mordomias. O projeto de Reforma foi alterado e hoje está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Aécio não gostaria de saber que os funcionários, principalmente os comissionados do Senado, apoiaram a permanência de Sarney em troca de um novo plano de carreira em 2010. Vá lá, houve corte de gratificações, que logo foram compensadas com aumento de 25% em média, um reajuste que causará impacto de R$ 468 milhões na folha de pagamento do Senado em 2011.

Acostumado com o saneamento de contas, déficit zero, enxugamento da máquina, extinção de cargos comissionados, redução do próprio salário (de forma a priorizar investimento em saúde, educação e segurança pública), para nossa decepção, Aécio terá de se acostumar com a estrutura inchada do Senado. São tantas diretorias que faltam salas. No Senado existe até o cargo de “diretor de garagem”.

Aécio não gosta de medidas provisórias, mas sim de Leis Delegadas, instrumento que mineiramente ele manejou 130 vezes enquanto Governador. Seu pupilo, Anastazia, carimbou o número 183 na última série de Leis Delegadas aviadas no mês de janeiro de 2011. Sarney, igual aos deputados da Assembleia Legislativa de Minas, nunca teve problemas em aprovar todas as medidas provisórias emitidas pelo Governo Central.

Como Príncipe da oposição, Aécio terá muito trabalho pela frente. Será jogo duro, missão quase impossível, converter Sarney, de aliado do Governo Federal em discípulo do choque de gestão. Não será mole, cortar na própria carne, enquadrando o Senado nas regras da moralidade administrativa.

Conseguirá Aécio ajudar Sarney a colocar o Senado nos trilhos? Aécio terá poderes para eletrocutar o Senado, cortando cargos, apurando desvios?

Aécio pode ter inventado o “Choque de Gestão”, mas no Senado quem tem o controle de voltagem da tomada é o imortal José Sarney.

Carlos H. Peixoto
chpeixoto@oi.com.br

ARTIGOS DE CARLOS H. PEIXOTO

2 Comentários to “Cadeira elétrica no Senado”

  1. É, caro Teo. Esse articulista é muito bom. Gostei do conteúdo e do estilo. Irônico, mordaz. Tão irônico que do meio pro fim do texto ele parece elogiar o Aécio com sinceridade. Mas, cá entre nós, não vejo o Aécio como um administrador competente. Isto porque o termo “choque de gestão”, mote do governo Aécio (2002/2010), pra mim é puro marketing. Da mesma forma, não vejo esta qualidade no Alckmin. Votei nele por que a alternativa bigoduda-dossiênica-irrevogável me pareceu (e ainda me parece) muiiiito pior.

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