O julgamento do Julgamento – 2º Capítulo

Antônio Sérgio Valente

(…) por natureza, me inclino a crer que, onde há fumaça, há geleia de morango, e quase nunca fogo (…)
J.D. Salinger,  in “Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira & Seymour, Uma Apresentação”, Ed. LPM, 2007, pág. 156)

No artigo anterior, tecemos críticas a três decisões preliminares do STF: quanto à data de início do julgamento do chamado valerioduto em pleno período eleitoral, à inversão da ordem genealógica dos acontecimentos (julgando antes o filho petista, de 2003, e depois, talvez, sabe-se lá quando, a mãe tucana, de 1998), e também quanto à inédita forma de votar (o fatiamento ou novelização dos votos). Salientamos que as três decisões conjuraram para transformar o julgamento numa espécie de apêndice do horário eleitoral das eleições municipais de 2012, configurando nítida e recriminável parcialidade.

Neste segundo ‘capítulo’, abordaremos alguns aspectos do mérito.

Presunções

É curioso observar a interpretação vacilante do MP e do STF com relação às presunções: utilizaram o conceito para cima, ou seja, para atingir parte da cúpula petista (José Genoíno), e parte do governo (José Dirceu), mas não o aplicaram para baixo, isto é, para alcançar todos os parlamentares da base aliada, limitando-se aos casos documentados (cheques) e aos que admitiram ter recebido os recursos para fins de custeio político-eleitoral de seus partidos.

Os ministros do STF foram claros em seus votos ao mencionar que o valerioduto servia para comprar o apoio da base aliada, mas curiosamente não aplicaram a presunção no sentido de espraiar as condenações sobre os parlamentares liderados pelos corréus confessos e/ou com provas documentais. E é óbvio que a base aliada não era composta apenas por aquela meia dúzia de congressistas apontados nas condenações. Era integrada por centenas deles. Mas onde estão as acusações e condenações dessas pessoas? A desculpa de que ficaram na peneira grossa da CPMI não pode ser aceita, pois o MP e o STF têm voz própria e independente.

Ora, mas então por que, mesmo admitindo que os recursos serviram para comprar o apoio da base aliada, tanto o MP como o STF não a condenam?

A resposta é simples: não o fizeram não por incompetência ou improbidade, mas sim por absoluta falta de provas. É que acusar com base em presunções um ou outro réu de relevância midiática é uma coisa, isso dá capa de revista e a opinião pública blinda o magistrado, mas adotar o critério com relação a uma ou duas centenas de parlamentares é quase uma revolução. Sem exagero.

Mas justiça não se aplica assim, vale para este, não vale para aquele. Ou bem o critério tem respaldo, ou não.

A propósito, vejamos o que é presunção. Segundo os dicionários, presunção é o mesmo que suposição, conjectura, suspeita, opinião baseada em probabilidade. Ou seja, não é sinônimo de prova. Afora os casos em que a lei expressamente atribui valor probatório a fatos presumidos (por exemplo, presunção de imputabilidade dolosa ou culposa ao agente embriagado), as demais presunções não têm valor probatório em nosso Direito Penal. Aliás, o Título VII — Da Prova, artigos 155 a 250 do CPP — sequer cita a palavra presunção. Isto porque as presunções não são admitidas em Direito Penal…!

E esta não é uma opinião pessoal do articulista. É o que ensinam as faculdades de Direito de todo o Brasil. É o que é acolhido pelo exame da OAB e pelas centenas de bancas examinadoras de concursos públicos jurídicos. É o que consta nos bons manuais de Direito. Por exemplo, no CPP Interpretado, de Julio Fabbrini Mirabete, Editora Atlas, já com dezenas de edições, conhecido e utilizado por boa parte dos profissionais do Direito, um calhamaço de 1902 páginas, em sua pág 453, tópico 155.1, ensina o seguinte: No processo criminal, ao menos para a condenação, os juízos aceitos “serão sempre de certeza, jamais de probabilidade, sinônimo de insegurança, embora possa a probabilidade ser caminho, impulso na direção da certeza”.

Ora, se presunção é a opinião baseada em probabilidade, e se esta não é admitida no processo criminal, a não ser quando acompanhada por outras provas, como podem os ministros do STF, com raras e honrosas exceções, citá-la em seus votos dezenas de vezes?

Com todo respeito a esses ministros, a convicção do magistrado não é tão livre e subjetiva como afirmam. Em matéria penal não se admite a analogia com o que ocorre em outros ramos do Direito, nem com a doutrina de outras pátrias e de outros tempos. O livre convencimento previsto no ordenamento jurídico-penal brasileiro deve ser motivado e respeitar as margens impostas pelo CPP, ou seja, a prova produzida nos autos. É a regra do art. 155: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial (…)” E o artigo vai mais longe ainda, ao determinar que o juiz não pode “fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação”, isto é, até pode utilizar os informes da fase investigativa, mas não apenas eles. Em outras palavras, é a prova produzida no contraditório que molda a convicção do juiz, e não as presunções. Estas sequer são cogitadas…! Presunção é probabilidade, é possibilidade, e não certeza.

Portanto, tem o julgador liberdade para formar sua convicção, mas essa liberdade tem limite objetivo: a prova produzida em contraditório judicial. É uma heresia, no Direito Penal brasileiro, falar em convicção lastreada em presunções, exceto quando estas estão expressamente previstas em lei.

Indícios

Nem mesmo os indícios (vestígios, sinais) podem ser aplicados em Direito Penal irrestritamente, pois se além da conclusão da ocorrência criminosa admitirem alguma outra conduta não tipificada penalmente, não se pode cogitar de condenação. Ou seja, os indícios conhecidos e provados podem robustecer a convicção condenatória, mas apenas e tão somente se permitirem provar por indução (raciocínio no qual de fatos particulares se tira uma conclusão genérica) a ocorrência de conduta de natureza criminosa. No entanto, se permitirem também outras condutas não criminosas não podem implicar em condenação.

E novamente não está aqui apenas a opinião pessoal e desprezível do articulista. O já citado e amplamente acolhido CPP Interpretado, que é uma espécie de sumário da boa doutrina e da melhor jurisprudência, em sua 11ª edição, página 617, item 239.2, in fine, ensina que: Não são suficientes para fundamentar uma decisão condenatória indícios isolados, que permitam uma explicação diferente, ou seja, de que o acusado poderia não ter praticado o crime.

Por exemplo, José Genoíno fazia reuniões com lideranças da base aliada para negociar apoios. Ora, é sabido desde o escândalo dos Correios que houve dois tipos de negociação provados: atribuição de cargos e funções em empresas e órgãos públicos, e estímulo financeiro (propina) à base aliada. A primeira conduta é ainda hoje adotada por todos os governos de coalisão do país, sejam municipais, estaduais ou federais, e embora criticável em certos aspectos, não é considerada criminosa, não está tipificada criminalmente. Já a segunda conduta configura crime de corrupção ativa e passiva. Logo, não é qualquer reunião entre lideranças do PT com pessoas da base aliada que por si só configura um ilícito. Há que se provar qual foi o assunto tratado na reunião. A mera prova de que houve a reunião e de que foram negociados interesses da base aliada não prova nada, pois em tese era possível que o assunto fosse o loteamento de cargos e funções, ou até questões de mérito ou estratégia relacionadas às reformas.

“Mas como fazer para separar o joio do trigo?”, devem estar perguntando alguns leitores. Ora, o ônus da prova é de quem acusa, embora o magistrado também possa fazê-lo, conforme o art. 156, incisos I e II, do CPP. Uma ata, um relatório, uma agenda com anotações comprometedoras, uma gravação, um e-mail esclarecendo determinado ponto da reunião ou da conversa, até mesmo um testemunho (mas de testemunha mesmo e não de corréu), um contrato talvez fosse ingenuidade demais, mas quem sabe uma planilha de prestação de contas, uns recibos codificados, enfim, tudo isso poderia comprovar a veracidade das acusações feitas pelos corréus.

Depoimento de Corréu

A palavra de corréu em juízo é interpretada pela doutrina e pela jurisprudência com valor apenas de confissão e não de testemunho. É que só podem servir como testemunhas aquelas pessoas equidistantes das partes e sem interesse na solução da demanda.

Mittermayer, em seu Tratado das Provas em Direito Criminal, páginas 295-296, dá as justificativas que embasam esse entendimento: “Tem-se visto criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se esforçam em arrastar outros cidadãos para o abismo em que caem; outros denunciam cúmplices, aliás inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente tomaram parte no delito, ou para tornar o processo mais complicado ou mais difícil, ou porque esperam obter tratamento menos rigoroso, comprometendo pessoas colocadas em altas posições.”

E a boa jurisprudência também vai nesse sentido. O voto mais emblemático é do ilustre ex-ministro do STF, Sepúlveda Pertence, referindo-se à declaração do corréu: “(…) Não se trata somente de uma fonte de prova particularmente suspeitosa (…) mas de um ato que, provindo do acusado, não se pode, nem mesmo para certos efeitos, fingir que provenha de uma testemunha. O acusado (corréu), não apenas não jura, mas pode até mentir impunemente em sua defesa (…) suas declarações, quaisquer que sejam, não se podem assimilar ao testemunho, privadas como estão das garantias mais elementares desse meio de prova (…) Dos co-denunciados do mesmo delito, por conseguinte, um não pode testemunhar nem a favor nem contra o outro, já que suas declarações mantêm sempre o caráter de interrogatório, de tal modo que seria nula a sentença que tomasse tais declarações como testemunhos.”

Portanto, não há dúvida de que palavra de corréu, ainda que de vários corréus (podem estar conluiados), não deve ser admitida, seja contra ou a favor, como prova testemunhal. Isto é, a palavra de Delúbio pode incriminá-lo, como confissão que é, mas não pode, ao afirmar que Genoíno e Dirceu nada sabiam do mensalão, inocentá-los, pois ele é corréu, sua palavra é suspeita. Por outro lado, as palavras dos demais corréus, contrárias à de Delúbio, acusando Genoíno e Dirceu de terem conhecimento ou de orquestrarem o mensalão, também não podem incriminá-los, pois são tão suspeitas como a de Delúbio. Em outras palavras, as supostas e contraditórias alegações dos corréus teriam de ser sopesadas à vista de outros elementos probatórios, obviamente excluindo-se as presunções (que, como já vimos, não são admitidas como provas), e os indícios que admitirem, além da conduta ilícita, outras condutas lícitas, pois neste caso não estaria havendo uma indução criminosa taxativa.

Como pano de fundo de toda essa doutrina e jurisprudência efetivamente praticadas pelos profissionais do Direito e pelos tribunais, e não apenas no Brasil, mas também na maior parte do mundo civilizado ocidental, está sempre o princípio do in dubio pro reo. Este princípio não pode ser revogado pela mera opinião pessoal, pelo palpite deste ou daquele magistrado.

Convicção, em Direito Penal, é outra coisa, está vinculada à prova produzida nos autos, e não a presunções baseadas em testemunhos de fontes suspeitas e em indícios não taxativos, isto é, não excludentes de condutas regulares.

No próximo artigo, abordaremos a distinção entre opinião pessoal e convicção jurídica, bem como apreciaremos superficialmente o problema do notável saber jurídico.

asgvalente@uol.com.br

ARTIGOS de ANTONIO SÉRGIO VALENTE

NOTA: Os textos assinados não refletem necessariamente a opinião do BLOG do AFR,  sendo de única e exclusiva responsabilidade de cada autor.

5 Comentários to “O julgamento do Julgamento – 2º Capítulo”

  1. Acabei de ler e assinar o abaixo-assinado online: CARTA ABERTA AO POVO BRASILEIRO. Felizmente, é bom saber que MUITAS pessoas, gente de bem, estão pensando do mesmo modo que nós.
    Peço aos leitores destes meus artigos (serão 5 no total, ou talvez mais, se houver embargos), se estão concordando com as críticas, que também subscrevam a petição pública. Não podemos permitir que um ESTADO DE EXCEÇÃO MIDIÁTICO, que ossifica as inteligências, seja implantado no Brasil. Sem Estado de Direito, a próxima vítima pode ser qualquer um. Cuidado, pois é sempre assim que começa e nunca se sabe como termina.
    O site do abaixo-assinado é: http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2012N29486

  2. Prezado Valente. Como é de seu conhecimento, discordo desta sua análise. Não quanto ao fato de o STF ser, também, de certa forma, um tribunal político, na medida em que está inserido no meio em que existimos. Mas gostaria de rebater sua opinião sobre o modo como as figuras jurídicas foram utilizadas no julgamento da referida Ação Penal.
    Presunções, segundo minha análise, não foram utilizadas. O fato de a AP ter atingido a liderança do PT (especificamente o José Dirceu e o José Genoino) e não os parlamentares que, ao final, receberam o dinheiro se deve ao clima de máfia da organização criminosa. O Roberto Jeferson confessou ter recebido milhões de reais, mas se recusou a dizer a quem o dinheiro foi distribuído. Os líderes dos demais partidos acabaram confessando o recebimento dos recursos – já que seus nomes apareceram como sacadores do Banco Rural – mas também se declinaram da tarefa de dizer o destino dos recursos (alguns ofereceram inclusive notas frias para tentar demonstrar pagamentos de dívidas de campanha).
    Logo, apesar de ter ficado claro que os líderes dos partidos dividiram a propina entre seus correligionários, não havia qualquer testemunha que dissesse que parlamentar recebeu o que.
    No caso de José Genoino, por exemplo, havia assinatura dele em um contrato com o Banco Rural que tratava de um empréstimo considerado falso pelo próprio STF. Logo, se o José Genoino, além de ter participado de reuniões com os demais membros da quadrilha, ainda assinou um contrato fraudulento, contrato que formalizou parte dos recursos distribuídos nas operações de compra de apoio político, há prova suficiente de sua participação do esquema (tanto é assim que ele foi condenado por 9×1).
    Quanto aos indícios, tenho a dizer que o que vi sendo utilizado foram as provas indiciárias, que são plenamente utilizadas na justiça diariamente. Se houve um homicídio de uma mulher e dois minutos após o tiro (ouvido por um vizinho) seu ex-marido é visto sair do local do crime por outro vizinho, é certo que a justiça irá condenar o ex-marido. Veja que os dois testemunhos são, apenas, as tão faladas provas indiciárias discutidas na AP. E se o ex-marido não construir uma versão igualmente verossímil para a história ou se não apresentar outras provas (como um álibi, por exemplo), ele será condenado apenas por aquelas provas indiciárias (a prova direta seria uma testemunha do crime ou um gravação em vídeo do crime, provas geralmente muito difícil de se obter). Ou seja, cabe sim à defesa provar, por exemplo, o álibi do ex-marido.
    Por último, o depoimento do corréu só perde seu peso quando ele depõe para se livrar de alguma imputação que lhe é feita (caso comum nos EUA, onde a delação premiada é fortemente incentivada pelos tribunais, aqui no Brasil é figura praticamente inexistente, pois o código de honra de bandidos aqui no País é muito mais forte do que nos EUA). Logo, corréus que serão condenados pelo mesmo crime tem tanto valor – desde que não busquem obter vantagens com seu depoimento – e são tão acreditáveis quanto qualquer outra testemunha.
    Não tenho qualquer motivação política em minhas opiniões, já que a disputa PTxPSDB já me interessou na década de 1990, hoje não tenho mais qualquer afinidade com qualquer das legendas. Interesso pelo julgamento, antes, em razão das repercussões que ele terá no mundo jurídico e, até mesmo, aqui no nosso lançamento tributário e no campo da teoria da provas. Neste particular, acho que tivemos uma aula muito interessante que, além de tudo, fixa jurisprudência.
    Não deixo de parabenizar seu belo texto, mas peço vênia para discordar de suas conclusões.

  3. Caro Gustavo, assisti à maior parte do julgamento. É a vantagem de estar aposentado…
    Presunções foram largamente utilizadas. A ministra Rosa Weber chegou a explicar pormenorizadamente, e a fundamentar o seu voto na TEORIA DAS PRESUNÇÕES, de um autor espanhol, de 1929…! Ela citou inclusive o nome do autor, e o livro e leu um trecho, durante o voto. Claro, nos regimes de exceção, no facismo, no nazismo, no comunismo, julga-se por presunção, por adivinhação e até se manda para o paredão…! Mas no Estado de Direito isso não é possível. Isso deveria preocupar muito a todos nós. Imagine a situação em que um AFR de determinada equipe se envolva com corrupção; ora, está aberta agora a possibilidade de TODOS OS INTEGRANTES DA EQUIPE, eis que rateiam entre si os pontos de produtividade, eis que se reunem semanalmente para discutir os casos em que estão trabalhando, de serem presumivelmente tão culpados como aquele diretamente envolvido na corrupção passiva e eventualmente até incidindo em formação de quadrilha. Ora, isso é um absurdo. Há que provar a participação de outros membros no episódio específico.
    Quanto à exclusão da base aliada, não é só o Jefferson que distribuiu dinheiro, não. Outros o fizeram, e foram citados no processo: Janene, Waldemar Costa Neto, dentre outros. Durante a CPMI dos Correios o noticiário mencionava caixas e mais caixas de cheques e ordens de pagamento. Na sessão que julgou a formação de quadrilha o ministro Marco Aurélio chegou a afirmar que uma das operadoras (Geisa, se não me falha a memória) teria enviado dezenas de e-mails com ordens de pagamento. Ocorre que a CPMI passou os cheques e OPs em peneira grossa, e reteve apenas os que continham identificação nominal de parlamentar… Daí porque só meia dúzia estão sendo processados. Cadê o resto da base aliada? Isso é Justiça…!?
    A prova indiciária, admitida no art. 239 do CPP, é aquela à qual se chega, mediante um raciocínio indutivo, ou seja, de um fato particular provado é possível tirar a conclusão de que só poderia ter ocorrido determinada conduta criminosa, e não outra não criminosa. Vale dizer, se o raciocínio permitir TAMBÉM outra conclusão não criminosa, então ele deve ser descartado, a menos que outras provas o robusteçam. O contrato com aval do Genoíno FAZ PROVA A FAVOR DELE. Entenda o que houve: o mensalão movimento R$ 153 milhões, segundo o ministro Carlos Brito, dos quais R$ 3 milhões tiveram contratos com aval do Genoíno, os outros R$ 150 milhões não tiveram aval; ora, é evidente o Banco só exigiu aval no contrato dos R$ 3 milhões porque esse era efetivamente um empréstimo, enquanto os outros recursos eram fachada (valerioduto). E esses R$ 3 milhões foram cobrados em juízo, numa ação que rolou durante 5 anos, chegaram a R$ 12 milhões com honorários advocatícios, juros, multas, encargos, etc., segundo os próprios ministros (não só o Lewandowski) mencionaram em suas intervenções e debates, e foi negociado, EM JUÍZO, com pagamento EM JUÍZO, em favor do Banco, de R$ 6 milhões, ou seja, o dobro do que fora emprestado (juros, encargos, sem multas nem honorários, se bem entendi as explicações dos ministros). Logo, para mim é evidente que houve esse empréstimo. Esses contratos com aval do Genoíno, devidamente pagos em juízo, fazem prova cabal A FAVOR do Genoíno, e não contra.
    Quanto aos corréus, doutrina e jurisprudência são fartas ao não admiti-los como TESTEMUNHAS. Você está totalmente equivocado nesse ponto. Aliás, vários ministros chegaram a reconhecer isto, mas como eram vários corréus dizendo que o Delúbio ligava no final da reunião para o Genoíno ou para Dirceu, então aceitaram essas várias palavras dos corréus. Mas eles podiam estar conluiados, querendo envolver gente graúda, da antessala do Presidente da República, exatamente para se safar. Sequer o MP e o STF determinaram que se checasse se realmente houve os telefonemas, naqueles dias, naqueles horários dos finais de reuniões…! Aliás, sequer levantaram os dias e horários das reuniões…! Ora, isso é prova…!!? Ademais, é ponto pacífico, palavra de corréu, de per si, não vale nada em juízo. Serve apenas como ponto de partida para busca da verdade, da prova efetiva. No caso, poderiam ter ido atrás da prova: contas telefõnicas, por exemplo, de Dirceu, Delúbio e Genoíno, mas não foram, ou, se foram, não encontraram a prova, pois não a mencionaram. A propósito cito novamente, como já o fiz no artigo, a jurisprudência séria do Min. Sepúlveda Pertence:
    “Dos co-denunciados do mesmo delito, por conseguinte, um não pode testemunhar NEM A FAVOR NEM CONTRA O OUTRO, já que suas declarações mantêm sempre o caráter de interrogatório, de tal modo que seria NULA A SENTENÇA que tomasse tais declarações como testemunhos.” (As caixas altas são da minha lavra)
    No exemplo que você cita, a testemunha é um vizinho, e não um corréu. E mesmo a denúncia do vizinho não é suficiente, ela é APENAS PONTO DE PARTIDA para a prova, que será obtida por outros elementos: teste de pólvora nas mãos e nas roupas do ex-marido, brigas constantes entre os ex-cônjuges, alguma ação judicial litigiosa sobre bens ou guarda de filhos, etc. Esse indício do exemplo não é taxativo, pois podia ser que o ex-marido estivesse transando com a ex-mulher e o atual parceiro dela poderia tê-los surpreendido… No RJ ocorreu um caso semelhante há pouco tempo, envolvendo uma policial civil, irmã de uma atriz ou modelo, algo assim, que estava saindo com o ex-marido e o namorado dela é que foi o assassino.
    Também não estou aqui para defender este ou aquele partido, mas gosto de justiça de verdade, e esse caso já desde as preliminares coincidentes com as eleições estava me cheirando mal. Até porque, como tentarei demonstrar nos dois últimos artigos desta série (ao todo serão 5, toldos já em poder do Teo), as vítimas verdadeiras SOMOS NÓS, os servidores públicos, eis que o mensalão serviu, reconhecidamente pelos ministros do STF, para comprar a base aliada e aprovar as reformas polêmicas, dentre elas a da Previdência, que também impôs o teto salarial. Mas nós, as vítimas, não seremos ressarcidos, metade dos ministros já se pronunciou a respeito durante o julgamento, nas sessões, ou seja, oficialmente, negando que se possa declarar a invalidade ou ineficácia das normas corrompidas, sequer por meio de ADIN. O ministro Luiz Fux chegou a afirmar que “o pais está livre desse ‘perigo’…” Tentarei demonstrar que essa interpretação é equivocada. O STF pode, inclusive na AP, em havendo LACUNA no ordenamento legal, dizer o direito, mormente porque tal AP tem como nexo exatamente atos jurídicos imperfeitos obtidos por corrupção. O assunto será melhor detalhado nos próximos artigos.
    Desculpe a longa postagem, mas é que o Direito Penal é sempre muito interessante. Eis porque quase todas as novelas sempre seguram a audiência em tramas policialescas.
    Obrigado, Gustavo, e abraço.

  4. Caro Gustavo, só três breves reparos:
    a) Geralmente, quando condenam traficantes, há antes uma rigorosa apuração dos fatos: há apreensões fantásticas de drogas, provam-se vínculos entre os operadores presos (mulas, etc) com o chefe do tráfico; levantam-se contas bancárias do elemento. A dificuldade para combater esse tipo de crime é exatamente essa, pois os “capos” ficam por trás, é difícil chegar a eles, raramente são apontados pelos subalternos, e muito menos presos. Mas, quando de alguma forma a polícia chega a eles, quando consegue identificá-los, geralmente por “caguetagem”, denúncias anônimas, ou trabalho do setor inteligência policial (agentes infiltrados da própria PM, da PF ou da divisão estadual de combate ao narcotráfico), há sempre a necessidade prévia, anterior à prisão, de MONITORAMENTO, inclusive com interceptação telefônica, rastreamento bancário, exatamente para tentar encontrar provas contra eles, senão eles saem ilesos da acusão.
    b) As provas residuais de prova e sangue são feitas, sim, no Brasil, nos casos em que isso é necessário. É que como a maioria dos casos é de FLAGRANTE, que é a maior das provas, com troca de tiros com a polícia, enfim, são fraturas expostas, então deixa de ser necessária a produção de outras provas. Mas nos casos nebulosos, crimes passionais, filhinha que cai do prédio, esposa que esquarteja o marido, etc, esse tipo de prova é fundamental. Não é o caso do mensalão, pois não é crime de sangue, mas a prova pode ser de outros tipo, por quaisquer meios: testemunhas equidistantes, documentos informais (bilhetes, planilhas, agendas, rascunhos, anotações particulares, contas telefõnicas, gravações, filmagens, etc).
    c) Assisti à sessão no dia em que se discutiu os contratos avalisados pelo Genoíno. O ministro Lewandowski fez circular uma pasta pelos demais ministros com cópias dos contratos e da quitação bancária feita em JUÍZO. Inclusive o ministro Carlos Brito observou que o pagamento em juízo foi feito em MAIO DE 2012, no valor de cerca de R$ 6 milhões. O ministro relator contestou, afirmou que o débito inicial de R$ 3 milhões e pouco já estaria, segundo a cobrança do banco em juízo, em torno de R$ 12 milhões, e que o pagamento só comprovava a metade disso. Lewandoski esclareceu que o DÉBITO ESTAVA INTEIRAMENTE QUITADO, pela decisão judicial que determinou o pagamento dos R$ 6 milhões, eis que foram excluídos da cobrança certos encargos (honorários advocatícios, multas, etc), e até bateu boca com o relator, que duvidava daquela prova, se ele estava questionando um documento produzido em juízo, duvidando do próprio Poder Judiciário do qual ele fazia parte. Foi discussão tensa. Não ouvi de terceiro, foram os próprios ministros que falaram. Mesmo assim, entenderam que pago ou não, o fato é que houve o contrato e isso para eles bastou. Ora, estavam nervosos, irritados com aquela pastinha intempestiva, mas o relator não quis dar o braço a torcer e decidiu com a coluna… Para mim, os tais contratos avalisados e pagos fazem prova a favor do Genoíno, de que houve aquelas operações e que foram regulares, não tenho dúvida nenhuma quanto a isso. A parte irregular é a dos contratos que não tinham aval, que não precisam de aval pois eram recursos mascarados do valerioduto, apenas travestidos de empréstimos. Mas empréstimo mesmo, normal, era o que tinha aval e foi pago.
    Aliás, na manifestação anterior passei que o número total do mensalão era de R$ 153 milhões, mas agora há pouco o ministro Carlos Brito informou que o levantamento está em cerca de R$ 170 milhões, pelo critério da somatória dos repasses à base aliada, e o ministro Celso Melo está querendo inclusive que esse valor seja ressarcido aos cofres públicos, mas o Barbosa está contra, e também o Fux, decidiram retormar este ponto oportunamente.
    Observe, caro Gustavo, que não se fala em ressarcir a verdadeira vítima do mensalão: o servidor público, que devido à Reforma da Previdência, já declaradamente feita com as consciências compradas dos parlamentares, impôs mais tempo de trabalho ao servidor, descontos previdenciários dos inativos, tetos e redutores salariais de ativos e inativos, e jogou no lixo direitos adquiridos nas carreiras. Ou seja, o mensalão serviu para aprovar essas matérias, que aliás passaram todas no bico do corvo, com aprovações apertadas, presumivelmente não teriam passado não fosse a propina, mas isto os ministros não querem corrigir, por certo entendem que foi bom para o Brasil…
    Abraço, Gustavo.

  5. Peço desculpas pelos inúmeros erros de digitação, mas dois merecem retificação expressa pois atrapalham a interpretação:
    No item “a”, onde se lê “saem ilesos da acusão” leia-se: “saem ilesos da acusação”.
    No item “b”, onde se lê “As provas residuais de prova e sangue” leia-se: “As provas residuais de pólvora e sangue”.
    Os demais erros, que são inúmeros, o leitor saberá identificá-los e corrigi-los por si mesmo.
    É que, depois de certa idade, nem os dedos obedecem o pensamento…

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