Robin Hood às Avessas – Parte V

                                                                      Antônio Sérgio Valente

Neste penúltimo artigo desta série, abordaremos os efeitos nocivos indiretos das alterações na Substituição Tributária, a partir de 2008, com extensão a uma infinidade de mercadorias, com dispensa de recolhimento complementar, nos casos em que o preço efetivo é superior ao obtido através do IVA-ST, e com vedação de ressarcimento, quando o preço é inferior.

Já vimos, no terceiro artigo, que os estabelecimentos varejistas praticam margens diferentes em função do seu porte, do poder de barganha junto a fornecedores, da sua estrutura de custos indiretos, e que tributá-los com índice de valor adicionado médio causa prejuízos aos que acrescem percentuais inferiores à média, e vantagens extraordinárias aos que operam acima. Vimos que os pequenos, para competir com os grandes, são obrigados a reduzir os seus markups, e só conseguem fazê-lo porque têm estruturas mais enxutas e simples, menos funcionários, localizam-se em bairros menos valorizados, pagam menos aluguéis, etc. Concluímos que os pequenos comerciantes, ao pagar ICMS sobre valores agregados teóricos superiores aos efetivos, já de pronto ficam em desvantagem em relação aos que praticam as margens teóricas das Portarias, e em desvantagem ainda maior em relação aos que praticam margens superiores. Ao contrário, os que têm maior poder de barganha, que vendem para públicos mais abastados, que se localizam em áreas mais nobres, são muito favorecidos, eis que a partir de 2008 não mais são obrigados a complementar os recolhimentos.

Da distorção básica e extremamente perversa apontada acima, decorrem vários efeitos nocivos indiretos, que ora abordaremos.

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Em primeiro lugar, estimula-se a concentração comercial. Não é difícil deduzir que se os pequenos são prejudicados e os grandes são beneficiados, a aglutinação de estabelecimentos, seja por fusão ou incorporação, passa a ser instrumento de defesa mercantil.

Salta aos olhos a conclusão de que a ST, nos moldes atuais, fomenta a formação de oligopólios, as grandes redes de supermercados, de materiais de construção, de farmácias, etc.

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Em face do efeito anterior, dá-se a mitigação da concorrência, da qual os grandes prejudicados são os consumidores finais, sobretudo os de baixa renda.

É requisito da concorrência perfeita a atomização da oferta. De modo que quando os agentes econômicos se aglutinam, a concorrência tende a arrefecer.

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Como conseqüência dos dois efeitos acima apontados, os preços passam a ser nivelados por alto. E eis que estamos diante de outro malefício da ST atual: o estímulo à inflação dos produtos destinados às classes menos abastadas, sobretudo os comercializados em regiões pobres e periféricas; por outro lado, ao reduzir a carga tributária efetiva de produtos destinados ao público de maior poder aquisitivo, como vimos no segundo artigo desta série, a ST estimula a deflação de mercadorias destinadas ao público mais abastado.

Em outras palavras, este efeito castiga quem não merece e privilegia quem não precisa. É estupidamente injusto.

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Em decorrência dos três motivos anteriores, temos um agravamento do problema da distribuição de renda. É novamente o governo estadual agindo na contramão do governo federal e até dele próprio.

O governo federal vem adotando políticas distributivas de renda, enquanto o estadual, a partir do governo Serra, mais precisamente a partir de 2008, passa a fazer o oposto. É o Robin Hood de verdade, o federal, contra o Robin Hood às avessas, o estadual.

E este último age não apenas na contramão do outro, mas até na sua própria contramão, pois se, por um lado, oferece vantagens tributárias (alíquotas menores, isenções, reduções de base de cálculo) para uns poucos produtos da cesta básica, que são consumidos por pobres e também por ricos, por outro lado, onera com margens superiores às efetivas uma infinidade de produtos sujeitos à ST e destinados às classes mais baixas da população, ao mesmo tempo em que desonera em parte as mercadorias destinadas ao público mais abastado, ao tributá-las com base em IVAs-ST inferiores aos efetivos (em alguns casos, muito inferiores).

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Por último, há que se falar dos perversos efeitos indiretos relativos aos custos financeiro e de gestão tributária e jurídica dos varejistas.

A elevação do custo financeiro se dá porque os varejistas têm de pagar o valor do tributo da etapa seguinte ao fornecedor, na data de vencimento da fatura, que muitas vezes ocorre antes mesmo do fato gerador final. Quando se trata de venda mediante cartão de crédito ou a prazo, o recebimento é quase sempre posterior ao pagamento da fatura com o tributo incluso. Isto para não falar do ICMS nos estoques, que embora tenha sido parcelado em vários meses, exigiu reposição do capital financeiro nos casos em que os índices de giro comercial eram baixos, vale dizer, dos estabelecimentos que operam com mercadorias que costumam dormir meses e até anos nos almoxarifados.

O custo da gestão tributária dos estabelecimentos que operam com margens abaixo do IVA–ST também cresce. Agora, há que planilhar mensalmente os produtos vendidos para consumidores finais de outras unidades da federação, os perecimentos e furtos, disponibilizar documentos, arquivos magnéticos e funcionários para atender o Fisco, pois essas ocorrências permitem ressarcimento. Não se confunda a vedação de ressarcimento nas saídas internas, por preço inferior ao estimado pelo IVA-ST, com as hipóteses deste parágrafo; aqui, apesar dos pesares, ocorre dos males o menor, afinal, pelo menos geram alguma justa compensação. Que, aliás, não é favor nenhum do governo, pois são casos em que realmente não ocorre o fato gerador subsequente. De todo modo, antes da ST para essa infinidade de produtos que entrou na dança a partir de 2008, não era necessário cogitar das planilhas de ressarcimento, e agora é. O custo da gestão tributária realmente se elevou.

Nos casos de produtos com margens efetivas muito aquém das médias ponderadas (IVA-ST), há que se acrescentar o custo da gestão jurídica: será preciso contratar advogado, preparar as planilhas que demonstram a tributação inconstitucional e requerer judicialmente, eis que o ressarcimento administrativo está proibido para esses casos.

É claro que essas medidas implicam em maiores custos para os varejistas, obviamente com exceção das empresas que praticam margens superiores aos IVAs-ST, pois estas foram dispensadas dos recolhimentos complementares e das planilhas acessórias. Até mesmo aqui, neste pormenor burocrático, o Robin Hood às avessas está agindo.

Por ora, para que a paciência do leitor não se canse do articulista, fiquemos nisto. Para o próximo artigo, prometemos a finalização desta série. Até lá.

asgvalente@uol.com.br

ARTIGOS de ANTONIO SÉRGIO VALENTE

NOTA: Os textos dos articulistas não reflete necessariamente a opinião do BLOG do AFR,  sendo de única e exclusiva responsabilidade de cada autor.

2 Comentários to “Robin Hood às Avessas – Parte V”

  1. Em relação ao custo financeiro para varejistas e também para atacadistas, a coisa é séria. Conheço distribuidores em dificuldades financeiras devido à ST. Sofreram duplo impacto em seu capital de giro. O primeiro decorrente da ST sobre os estoques e o segundo nas aquisições taxadas com ST, prejudicando a relação ciclo operacional/ciclo financeiro. Por outro lado, há casos em que o repasse da sobrecarga tributario-financeira para os preços é mais tranquila. Isto depende da elasticidade-preço do produto. Para medicamentos, por exemplo, esta elasticidade é bem menor. Para produtos de higiene e limpeza, é maior. Outro ponto que merece maior atenção são os impactos da ST nas estruturas de distribuição e logística. Há evidências de que os fluxos de distribuição de bens e serviços estejam se alterando em função da ST. Não sei onde isto vai dar. Um exemplo: no decorrer de ações fiscais de rotina, me deparei com redes de varejistas que alteraram a composição de suas compras de forma dúbia (um movimento que ainda não está muito claro). Alguns deixaram de comprar de distribuidores de outros Estados e passaram a comprar de distribuidores paulistas. Alegam que o pagamento antecipado (Art. 426-A do RICMS) sai mais caro do que comprar no mercado interno paulista com o IVA-ST normal. O curioso é que muitos estão fazendo o contrário. Estão aproveitando preços de transferência de indústrias coligadas abaixo do preço de mercado. Assim, tanto o IVA-ST quanto o IVA-ST Ajustado incidem sobre uma base subavaliada. O tiro pode sair pela culatra. Indústrias e atacadistas estão reformatando suas estruturas de negócio para fugir da ST, buscando maior eficiência financeira. Os responsáveis pela ST deveriam estudar alguns princípios básicos da Microeconomia moderna. Se nada for feito, como ficará a estrutura da economia do Estado daqui, suponhamos, 10 anos? Acho que será preciso desmontar este monstro e investir corretamente na fiscalização. Recursos há. Gasta-se muito com outra bobagem: o NF Paulista. O colega Valente demonstrou isto muito bem no AFR Paulista. É preciso resgatar os princípios básicos da tributação e da fiscalização do nosso ICMS nos moldes de um imposto sobre o valor agregado como fora concebido.

  2. Pois é. Deturpação gera deturpação. O governo está interferindo indevidamente no mercado. As empresas prejudicadas estão tentando se defender. Algumas não estão conseguindo mesmo, talvez até quebrem. Outras estão aproveitando as brechas criadas para pagar menos ICMS. Já fiquei sabendo de algumas que estão pedindo para as suas entidades comerciais e industriais batalharem junto à SEFAZ a fim de que os seus produtos sejam incluídos na ST, pois têm conhecimento de que operam com margens superiores às médias do mercado.

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