O juiz alerta que a sociedade americana não deveria “tapar o sol com a peneira”
João Francisco Neto
Há poucos dias, a execução de um preso nos Estados Unidos trouxe o tema da pena de morte novamente à discussão. O assunto, nunca esquecido, com bastante frequência atrai a atenção do grande público. Agora, um “erro” na execução de um americano reacendeu o debate em torno desse tipo de pena. Segundo consta, o condenado Joseph Wood, após receber a aplicação de drogas letais, teria agonizado por duas horas, antes de morrer, para o espanto das testemunhas que assistiram à sua interminável agonia.
A legislação penal americana prevê que as execuções sejam testemunhadas por um grupo de autoridades e cidadãos da comunidade. A discussão tomou corpo porque, no julgamento de um recurso, um juiz do Tribunal Federal previu que a forma de execução por injeção letal poderia falhar e acarretar uma punição cruel, proibida pela Constituição americana. No seu voto (vencido) o juiz considera que apenas um método seria eficiente: o pelotão de fuzilamento. Para ele, a injeção letal, assim como os demais métodos, implicariam eventuais falhas de execução, como a câmara de gás, a cadeira elétrica e a forca, que, aliás, estão todos em vigor nos Estados Unidos, embora não sejam mais aplicados.
O juiz alerta que a sociedade americana não deveria “tapar o sol com a peneira”, e reconhecer que a pena de morte é, sim, uma brutalidade que o Estado comete em nome da sociedade. Além disso, insurgindo-se contra o mito disseminado de que a injeção letal seria um método indolor e “civilizado” de executar uma pessoa, o juiz afirma que “se querem matar, devem abandonar o caminho equivocado do uso de drogas e retornar aos métodos mais primitivos, mas infalíveis”. Por essas e por outras, seu voto está dando o que falar.
Ainda que a maioria dos Estados americanos (36) adote a pena de morte, esse tipo de condenação tem sido cada vez menos aplicado; em 2012, o número caiu para 43. Mas, ainda assim, temos de levar em conta que se trata de uma arraigada tradição americana, trazida da Inglaterra pelos primeiros colonos. A primeira execução legal ocorreu no ano de 1608, na colônia da Virgínia; e, desde então, a pena de morte esteve suspensa apenas por um breve período, de 1972 a 1976. O debate sobre a pena de morte é intenso e envolve questões de fundo jurídico, político, filosófico, religioso, racial, cultural e econômico, para dizer o mínimo.
Há argumentos para todos os gostos, desde os favoráveis mais radicais até algumas organizações contrárias, que mantém vigília permanente contra a pena de morte. A questão penal americana sempre foi um tema muito envolvente; basta ver a quantidade de filmes que tratam do assunto. A Justiça americana é muito ágil, contudo comete também muitos erros, inclusive em relação à pena de morte. Outro aspecto lamentável diz respeito ao caráter tendencioso e discriminatório da pena de morte: atualmente, mais de 40% dos presos que estão no “corredor da morte” são negros, que representam apenas 13% da população.
Há uma ONG americana, denominada de “The Innocence Project” que faz revisões sistemáticas dos processos penais, utilizando-se de métodos científicos (exame de DNA, por exemplo), já conseguiu provar a inocência de mais de 300 pessoas que haviam sido condenadas pela Justiça, dentre as quais 17 aguardavam a execução no “corredor da morte”.
No Brasil, o tema volta e meia volta à discussão, embora esse tipo de pena seja proibido pela Constituição Federal. Há no imaginário popular um sentimento de que a aplicação da pena de morte seria um forte fator de desestímulo à sempre crescente taxa de criminalidade no Brasil, razão pela qual ela sempre conta com altos índices de aprovação. Nos Estados Unidos, as estatísticas mostram um fato interessante: os Estados que têm pena de morte têm, também, os maiores índices de criminalidade; e os que mais executam, mais altos, ainda, como o Texas. Como se vê por essas poucas linhas, o tema não é nada simples, e o propósito dessa breve apresentação é trazer alguns elementos para reflexão.
*Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)
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