João Francisco Neto
Na esteira do livro “A Rebelião das Massas”, publicado em 1930 por Ortega y Gasset (1883-1955), no conturbado período do entre guerras, época de consolidação do comunismo soviético e da ascensão dos regimes fascistas, o pensador americano Christopher Lasch (1932-1994) escreveu um livro instigante, que continua atual até nossos dias: “A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia”. Lasch, que nasceu em Omaha, na remota região do estado de Nebraska (EUA), recebeu uma primorosa formação acadêmica – graduou-se em História em Harvard e fez seu doutoramento em Colúmbia -, e logo passou a escrever artigos e ensaios que tinham como foco a atuação das elites americanas. Embora sua visão crítica tivesse como destinatário primeiro o público norte-americano, quase tudo o que escreveu pode muito bem ser aplicado aos demais povos ocidentais.
Para Lasch, as elites de hoje vivem num mundo abstrato, em que a informação e o conhecimento são as mais valiosas commodities do mercado globalizado, o que faz com que essas pessoas pouco se vinculem às questões nacionais, regionais e, muito menos, comunitárias; vivem como se tivessem se removido da vida comum. Essa espécie de ruptura do pacto social é vista por Lasch como uma ameaça para a democracia, na medida em que aqueles que se encontram no topo da hierarquia social agem de forma autocentrada, indiferentes ao passado e ao futuro, e alheios aos deveres sociais de solidariedade. Afastados das questões locais, os membros da elite envolvem-se mais com o controle do fluxo internacional de capitais e informações, da produção cultural e do debate público – ou a ausência dele.
Preocupadas tão-somente com o seu próprio bem-estar e desprovidas de qualquer sensibilidade com os grandes deveres históricos, as elites se identificam mais com os seus congêneres estrangeiros do que com os seus similares nacionais.
Por outro lado, Lasch considera que, com o desaparecimento da esperança alimentada pelos movimentos sociais até a década de 1970, hoje, as classes trabalhadoras estão muito mais interessadas nas redes sociais da internet do que propriamente nos movimentos sociais que antigamente sustentavam o sonho do socialismo, que ruiu juntamente com o Muro de Berlin.
Atualmente, impulsionadas pelo poder da mídia, as classes médias, intelectualmente achatadas, só conseguem ver aspectos socialmente relevantes nas figuras do espetáculo do show-business e celebridades dos esportes, numa progressiva banalização da vida cultural. A força das grandes corporações da mídia acaba por modificar os valores da cena política e cultural, mediante um permanente bombardeio de cenários de espetáculos, insegurança e incertezas, que, da mesma forma que chegam, logo desaparecem, sem continuidade histórica. São as intermináveis notícias de acidentes, catástrofes, crimes bárbaros, crises e conflitos políticos, que se repetem, dia e noite. Dessa forma, a mídia “constrói” um presente que parece não ter nenhuma relação com o passado e tampouco com o futuro, e ainda aumenta a sensação de um ambiente de incerteza, ceticismo e individualismo.
As elites, insatisfeitas com os rumos da cena cultural e política local, distanciam-se e descomprometem-se cada vez mais da sociedade, criando seus próprios espaços de refúgio, que nada têm a ver com a vida comunitária. Lasch vê nisso uma tendência que acentua novas formas de desigualdade social e cultural, que podem provocar a ruptura do pacto social em que se assentam as bases da democracia – um acordo não escrito, que mantém unidos os cidadãos e suas elites num Estado. É isso aí: Lasch produziu uma obra, cujo objeto era o questionamento central do modelo de progresso e da natureza da democracia produzida nos Estados Unidos, mas que pode muito bem ser aplicado a outros lugares e instituições. Afinal, todos nós conhecemos instituições em que a elite vive encastelada em seu petit monde, totalmente alheia aos problemas do restante da corporação.
* Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)
ARTIGOS de JOÃO FRANCISCO NETO
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