Achei muito interessante a iniciativa da DEN de promover o seminário “Repensando a Receita Federal do Brasil”, que foi realizado em São Paulo no início de abril, dentro do projeto “O futuro do nosso cargo”. Como estava viajando de férias, não pude participar do seminário, mas na última segunda-feira (04/05/2015) estive da reunião promovida pela DS/Belo Horizonte para fazer o repasse dos trabalhos desenvolvidos no seminário e discutir as propostas levantadas. Escrevo para formalizar e aprofundar algumas reflexões que discuti com os colegas no dia.
Não sei se entendi o foco do seminário, se estamos “repensando a Receita Federal do Brasil” pelos seus desafios atuais ou se estamos refletindo sobre “o futuro do nosso cargo”. Ainda que não fosse o foco, gostaria de trazer algumas ideias para pensarmos o futuro do nosso cargo. E, partindo dessa premissa, considero que as propostas resultantes do seminário e compartilhadas na reunião da última segunda foram pouco ousadas. Ser Auditor-Fiscal hoje com certeza é diferente do que era em 1990, assim como certamente será diferente daqui a 20 anos. Inovações como o e-Processo, SPED e ContÁgil transformaram radicalmente a dinâmica do nosso trabalho e até sua própria natureza. Precisamos ousar para nos prepararmos para um trabalho diferente no futuro.
Na minha opinião, existe muita insatisfação da categoria no atual momento, com uma sensação difundida de desvalorização e, talvez mais importante, de desmotivação e praticamente nenhuma realização com o trabalho. Com as pressões do dia a dia e apagando os incêndios (institucionais) que aparecem, fica difícil refletir sobre as causas dessa insatisfação e desenvolver estratégias inovadoras para projetarmos um futuro diferente. Por isso, esse projeto/seminário me pareceu tão importante como um espaço alternativo de sairmos dessa luta cotidiana para pensarmos nossa situação de uma maneira ampliada. Pensar o futuro ajuda a definir para onde queremos ir e, assim, o caminho que queremos percorrer no presente. Nesse contexto, me parece interessante começar por um exercício de futurismo, para entendermos que mundo é esse que está surgindo e como queremos estar inseridos nele. Vejam essa introdução do curso “Tomorrow”, da escola Perestroika:
A Revolução Digital tornou defasados os conceitos da Revolução Industrial. Mas, em breve, veremos uma nova onda. Três vezes maior – e que deixará a Revolução Digital obsoleta. Sim, a Internet ainda é um movimento crescente. Mas há, pelo menos, três novas Revoluções surgindo (Robótica, Hacking e Internet of Things). Alguns futuristas garantem que elas chegarão até 2029. E todas ao mesmo tempo. Se você acha tudo isso absurdo, lembre-se: os barões da Revolução Industrial também achavam absurdas as previsões sobre a Internet. E elas estão aí. Moral da história: mesmo quem domina os conceitos digitais terá que reaprender. Reaprender a trabalhar, gerir, viver em sociedade, conviver com a tecnologia. Previsões indicam que um estudante que está no ensino médio vai trocar de profissão cinco vezes. E que 75% das 500 maiores empresas do mundo de 2020 não existiam em 2012. O futuro não chega ao mesmo tempo para todos. Mas, uma hora, chega.(http://www.perestroika.com.br/cursos/brasilia/tomorrow/)
Se o cenário descrito parece muito distante da realidade da RFB e do serviço público em geral, acho que no mínimo concordamos que vivemos uma era pós-industrial e que muito dos modelos e premissas que organizam nosso trabalho ainda seguem a lógica da sociedade industrial anterior. Certamente teremos que reaprender a trabalhar, gerir e conviver com a tecnologia. Já somos uma geração digital e pensar o futuro do cargo significa também remover modelos organizacionais obsoletos que foram criados num tempo analógico. E um sindicato mais moderno é parte fundamental de uma estratégia para avançar nessa direção.
Faço essa reflexão partindo dos argumentos de Domenico de Masi, estudioso da sociologia do trabalho, que descreve três grandes etapas da história do trabalho. A primeira, que durou muitos séculos, do trabalho rural e transformação rudimentar, quando trabalhávamos como agricultores e artesãos. A segunda é inaugurada pela Revolução Industrial, a partir do final do século XVIII, quando passou a ser muito importante a produção das fábricas, de bens materiais, com trabalhos manuais, físicos e repetitivos – a sociedade industrial. A terceira fase veio depois da Segunda Guerra Mundial, com uma terceira grande revolução caracterizada pelo progresso tecnológico e globalização, que levou à redução da mão de obra operária necessária, passando o sistema produtivo a ser crescentemente focado na produção de bens imateriais: serviços, informações, cultura, estética. Esse é o mundo pós-industrial em que vivemos. Segundo De Masi, trata-se de uma revolução global no mundo do trabalho que deve ser tratada com uma mentalidade, uma legislação e um modelo completamente novo. O problema é que as empresas, as organizações e os sindicatos ainda funcionam no modelo industrial. Organizamos nossas vidas cotidianas com base nos modelos mentais da sociedade industrial.
Creio que essa análise pode ser aplicada à Receita Federal, ao nosso Sindicato, e ao serviço público de forma geral, que são organizações com características típicas da sociedade industrial. Nossa forma de trabalhar está organizada como se nossa atividade fim ainda fosse um trabalho físico, manual e repetitivo. Mas não é, o trabalho de Auditor é intelectual e produzimos bens imateriais, sobretudo informação e prestação de serviços à sociedade. E se o modelo de trabalho da RFB já estava inadequado para a realidade da década passada, estará ainda mais se pensarmos nesse futuro das novas revoluções digitais descrito acima.
Por que estamos tão insatisfeitos com o trabalho de Auditor na Receita Federal? Os motivos são muitos e complexos. A questão da valorização, das atribuições e da autonomia sempre aparecem nas queixas, mas penso que já são contempladas pelas ações do Sindicato e, de alguma maneira, pela campanha salarial. Gostaria de olhar o problema por um outro ângulo, talvez típico da Geração Y, fruto de uma angústia pessoal: sempre que me perguntam se eu gosto de trabalhar na Receita, tenho que encarar a realidade – meu trabalho não me proporciona uma atividade realizadora, da qual eu possa me orgulhar por estar contribuindo com algo maior.
Para além dessa angústia, trago outra constatação chocante. Sou do concurso de 2010 e em julho completo 5 anos de Receita Federal. Assim como já acontecia antes e tem acontecido cada vez mais, a turma que entrou comigo era formada por pessoas muito qualificadas e talentosas: gente vindo do ITA, trainee da Unilever, da Procter & Gamble, gente com mestrado, MBA… Entramos cheios de energia e motivação para contribuir na construção de uma instituição que preste um serviço de excelência para a sociedade e seja verdadeira promotora da justiça fiscal no Brasil. Menos de dois anos depois, foi triste constatar que todo aquele potencial tinha se transformado num exército de servidores desmotivados, contando os dias para o fim de semana ou as próximas férias. Que perversas engrenagens são essas capazes de triturar nossa energia, nossa esperança e nossos sonhos? Não é à toa que vemos muitos colegas deixando a Receita Federal. Qual é o segredo do fracasso?
Pense no conceito de arrecadação potencial e arrecadação efetiva. De maneira genérica, a diferença entre arrecadação potencial e arrecadação efetiva é a sonegação observada num sistema tributário. Fazendo uma analogia, poderíamos pensar no desempenho potencial do quadro de servidores da Receita como o melhor resultado possível em termos da qualidade do serviço prestado à sociedade, de maneira ampla, a partir dos insumos disponíveis: qualificação, talento e esforço do corpo funcional; tecnologia e condições de trabalho existentes dentro da instituição; etc. Nosso desempenho efetivo é o resultado que de fato entregamos para a sociedade, sendo que a diferença entre o desempenho potencial e o efetivo é desperdiçado por todos os fatores que levam à ineficiência e à baixa produtividade dos trabalhadores no somatório de atividades que compõe a RFB. Nesses termos, pergunto: por que nosso desempenho efetivo está tão abaixo do nosso desempenho potencial?
Para mudar algo, é muito mais útil criar novos modelos que deixem os antigos obsoletos.” (Buckminster Fuller)
Precisamos investigar o segredo do fracasso. De novo, é uma questão complexa, que não admite explicação simplista. Mas gostaria de explorar uma hipótese que me parece pouco explorada, que é um conjunto de fatores relacionado à CULTURA ORGANIZACIONAL. O serviço público também tem passado por transformações nos últimos tempos e existe uma tendência da sociedade em exigir mais eficiência e qualidade dos serviços prestados. Nesse movimento, muitos modelos e paradigmas da iniciativa privada foram trazidos para o setor público a fim de perseguir maior eficiência, o que faz todo o sentido num cenário em transformação. Contudo, além das várias diferenças entre a natureza da atividade empresarial e da prestação de serviços públicos e das peculiares características à função de Auditor-Fiscal, penso que alguns fatores que ajudam a explicar o quadro de insatisfação dos servidores da RFB com seu ambiente de trabalho estão relacionados simplesmente com a importação de modelos de gestão ruins.
Se estamos falando na satisfação de colaboradores, uma boa referência sobre as melhores práticas é o
ranking anual e relatório “Great Place to Work” (que pode ser traduzido como Excelente Local para Trabalhar, também conhecido no Brasil como ranking de “Melhores Empresas”). Tal relatório é baseado numa pesquisa desenvolvida por uma consultoria que elabora um ranking das melhores empresas para trabalhar a partir da opinião dos trabalhadores, que em 2014 foi liderado pelo Google. Nesse sentido, o documento reporta as melhores práticas nas organizações em relação à gestão de pessoas, ao ambiente de trabalho e à cultura organizacional que promovem a satisfação do colaborador. A pergunta básica que inspira a pesquisa é a seguinte: “o que faz as pessoas gostarem de trabalhar onde trabalham e de fazerem o que fazem?” Nos próximos parágrafos farei um breve resumo dos resultados apresentados no relatório, que pode ser acessado no link abaixo. http://www.greatplacetowork.net/storage/documents/Publications_Documents/The_Dawn_of_the_Great_Workplace_Era.pdf
Tais pesquisas, que vem se repetindo por vários anos, concluem que as variáveis que estão por trás da cultura organizacional das melhores empresas para trabalhar são:
- confiança entre os colaboradores e os líderes da organização;
- bom relacionamento com os colegas; e
- orgulho do que fazem.
A confiança aparece de maneira tão destacada que foi criado um índice para medir sua evolução, o Trust Index. O relatório identifica um aumento na consciência entre os líderes empresariais globais sobre a importância de um ambiente de trabalho baseado na confiança. A confiança é o fator ‘top of mind’ para os executivos em termos de ambiente de trabalho atualmente, segundo uma pesquisa da PwC com CEOs de 68 países.
Particularmente na América Latina, houve um incremento na consciência de que as organizações devem criar uma cultura positiva, centrada nos trabalhadores, pois essas culturas impulsionam melhores resultados. O relatório apresenta vários estudos e evidências crescentes de que bons ambientes de trabalho levam a melhores resultados para a organização. Um estudo recente no México revelou que existe uma correlação positiva entre altos níveis de confiança no empregado, comprometimento e colaboração e a produtividade do trabalho.
Essas culturas de grande confiança não significam só o que os empregadores fazem por seus empregados. Elas também refletem a gratidão dos empregados e reciprocidade – principalmente em tempos difíceis. O relatório também afirma que os melhores lugares para trabalhar tem abraçado a tendência de maior preocupação com o bem-estar físico e mental de seus trabalhadores. Nessas empresas, as pessoas são encorajadas a equilibrar sua vida profissional com sua vida pessoal. Além disso, também reporta os resultados de pesquisas que apontam que técnicas de relaxamento e meditação se traduzem em melhor desempenho.
O estudo relata a pressão da Geração do Milênio por melhores condições de trabalho. Pessoas de 30 e poucos anos ou menos estão pressionando os empregadores a darem mais atenção ao equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e à responsabilidade social. Essa geração não quer só um trabalho, quer uma atividade realizadora da qual possa se orgulhar. Uma vontade maior de ouvir os trabalhadores de todos os níveis e viabilizar maior flexibilidade no trabalho são centrais para esses novos trabalhadores.
Quando comparamos esses fundamentos de uma cultura organizacional positiva com a realidade atual da RFB, parece que temos uma boa pista dos ingredientes por trás da nossa insatisfação, pois o abismo que nos separa dessa realidade é gigante. Minha hipótese é de que a pressão social por eficiência acabou resultando na adoção, pela RFB, das piores práticas do setor privado e, tragicamente, disseminando a insatisfação dos servidores, sem que tenha sido observado o aumento de eficiência esperado.
Comecemos pela confiança. Uma grande reclamação atual do Sindicato e dos Auditores está relacionada à implantação de metas de produtividade. Primeiramente, existe toda uma discussão, inclusive acadêmica, da efetividade em se utilizar metas quantitativas para atividades intelectuais criativas, que também estão presentes no trabalho do Auditor, pois muitas vezes elas não conseguem captar aspectos qualitativos importantes. Para além dessa polêmica, é estarrecedor constatar que não tem sido desenvolvida na Receita a preocupação em criar uma cultura de participação na instituição, restringindo as decisões à alta cúpula, sem ouvir os colaboradores que serão atingidos por tais decisões. Além de desperdiçar toda a capacidade intelectual criativa dos servidores no processo de tomada de decisão, como é possível esperar comprometimento com as metas se são regras impostas de cima para baixo de maneira autoritária, muitas vezes afastada da realidade da ponta e sem ouvir quem tem experiência na atividade?
No item confiança, assusta ainda mais perceber que muitas ações e decisões recentes demonstram que, na verdade, a cultura da organização está pautada na desconfiança em relação ao servidor. No episódio da definição de metas para o teletrabalho nas DRJs, que em si é uma ação importante de flexibilidade alinhada com a sociedade pós-industrial, é incompreensível a decisão de que aqueles que optarem pelo teletrabalho terão de cumprir uma meta 15% acima dos que continuarem trabalhando na unidade. De onde veio isso? A jornada de trabalho não continua a mesma? Por que essa diferença de tratamento? A justificativa foi de que o servidor não perderia tempo no trânsito, por isso poderia trabalhar mais. Oi? Então a ideia é trabalhar fora do horário de trabalho para cumprir uma meta aleatória? Isso só faria sentido se o tempo gasto no deslocamento de casa até o trabalho fosse computado, antes do teletrabalho, como horário efetivamente trabalhado, se as 8 horas de trabalho fossem contadas do momento que eu saio de casa para trabalhar até a hora que eu chego em casa na volta, o que nunca foi o caso. Tal absurdo só pode ser entendido dentro de um paradigma que enxerga o servidor público como vagabundo, que não quer trabalhar e precisa ser vigiado de perto. Já é desconfortável ouvir isso de pessoas que não conhecem a nova realidade do serviço público, mas ser tratado assim pela própria Administração, formada por colegas Auditores, é ultrajante!
De todo modo, dentro da reflexão sobre cultura organizacional, penso que trata-se de demonstrações explícitas de que as relações com os servidores não são baseadas na confiança e, portanto, estão na contramão das melhores práticas mundiais. Na literatura de gestão, existe um relato interessante sobre a construção de estádios de futebol na Europa. Uma entidade do futebol encomendou um estudo a um especialista sobre a melhor maneira de construir estádios de forma a evitar brigas de torcidas e violência. O estudo resultou na recomendação de que deveriam, simplesmente, retirar todos os alambrados, grades e fossos dos estádios, que os torcedores deveriam assistir aos jogos sentados na beira do gramado sem nenhuma proteção. Conclusão do estudo: se você tratar os torcedores como animais, eles se comportarão como animais. Se você tratá-los com civilidade e gentileza, eles se comportarão da mesma maneira. É o que acontece na Receita: se você trata o colaborador como criança, ele responde como tal: faz birra, desobedece, não cumpre meta… O problema, portanto, não são as metas e os controles em si, mas a forma como eles são desenvolvidos e o tipo de gestão que se faz a partir deles.
Vale a pena repetir: não estamos mais na era industrial nem numa linha de montagem fordista. Aprofundando a discussão sobre motivação e os fatores que nos possibilitariam chegar mais próximo do nosso desempenho potencial, também existem várias pesquisas que demonstram a inadequação do modelo atualmente adotado pela RFB. Num TED sensacional, Dan Pink faz um apanhado desses estudos para defender que, no caso de atividades intelectuais, a motivação e o desempenho estão relacionados a maior autonomia e flexibilidade, e não ao velho sistema de controle e recompensa (http://www.ted.com/talks/dan_pink_on_motivation?language=pt#t-1104012). Portanto, está comprovado cientificamente que são outros fatores que atuam na motivação, que estão relacionados à autonomia e à flexibilidade, o que também é corroborado pelas melhores práticas adotadas pelas empresas que lideram o ranking Great Place to Work. Mais trágico ainda é insistir nesse modelo ultrapassado de controle e recompensa num ambiente em que as recompensas estão limitadas por lei: por que se matar para cumprir metas impostas se você não tem nenhum incentivo extra?
Fica muito claro que as práticas de gestão da RFB tem ido no sentido de aumentar os controles e a vigilância sobre o servidor, buscando melhorar a eficiência do órgão pelo aumento da pressão e da cobrança individual, sem ouvir seus colaboradores e concentrando as decisões importantes na alta administração. Ou seja, ainda que as atividades de auditor sejam intelectuais, o modelo de gestão relega ao pessoal da ponta as atividades intelectuais repetitivas, nos transformando em apertadores de botões, enquanto as atividades intelectuais criativas que resultam nas decisões importantes são tomadas de maneira centralizada e hierarquizada, sem mecanismos institucionais de participação, o que obviamente prejudica o comprometimento dos servidores e provoca um racha entre gestores e os que não ocupam função. Em que década estamos?
Nesse contexto, acho interessantíssimo pensar no case do ContÁgil, considerado por muitos uma das maiores inovações dos últimos tempos na Receita e sem dúvida uma ferramenta muito poderosa que facilita nosso trabalho. O sistema foi criado a partir da iniciativa de um colega (o famoso Gustavo), de maneira autônoma, numa atividade essencialmente intelectual e criativa. Em que a política de gestão baseada em controles, metas e vigilância contribuiu para esse sucesso? Em absolutamente nada! É quase um milagre ele ter conseguido criar essa inovação, foi algo totalmente disruptivo. Pelo contrário, essa cultura de metas e controles só vai asfixiar e matar iniciativas como essa. Imaginem quantos ContÁgils estamos perdendo ao não construir uma cultura que estimule a participação, a colaboração e a inovação? É importante reforçar que o questionamento do sistema de metas atual não tem nada a ver com preguiça e má vontade, tem a ver sim com a irresignação de servidores conscientes de sua capacidade e talento, que na maioria dos casos não podem ser traduzidos num número tão estreito!
Falando de futuro, causa espanto também que uma instituição como a Receita Federal não tenha uma política de Gestão do Conhecimento e outra de Inovação. Quantos Auditores se aposentam e levam consigo um mundo de conhecimento que não é passado para frente? E o esvaziamento das ações de capacitação, sendo que o treinamento de um novo Auditor-Fiscal que ingressa na carreira foi reduzido a aulas superficiais que duram pouco mais de um mês, quando antigamente já foi de quase seis meses e com um acompanhamento muito mais próximo no início das atividades. Falando sobre inovação, quem já ouviu falar em Design Thinking ou Business Model Canvas dentro da Receita? Na minha unidade, pelo menos, não existe nenhum momento nem método de processos criativos para repensar os problemas que enfrentamos rotineira e repetidamente. Pelo contrário, em geral as iniciativas que surgem para enfrentar esses problemas que se repetem e atravancam o trabalho se perdem pelas vias burocráticas da hierarquia, no caminho até Brasília. A desmotivação pelos insucessos anteriores é tão grande que qualquer nova ideia para melhorar procedimentos e enfrentar problemas persistentes morrem no nascedouro em razão da certeza de que não será considerada. Ou, ainda que seja, não será implementada, porque Brasília sempre tem suas prioridades… Em outras palavras, também precisamos de uma iniciativa estruturada e uma cultura de promoção da criatividade e da inovação.
Poderíamos falar também de políticas de comunicação (transparência) e de promoção do bem-estar, mas esse texto já está tão grande que poucos chegarão até aqui. Falamos de confiança, falamos de bom relacionamento com os colegas e só falta falar de orgulho do que faz. Penso que aqui entramos numa discussão ainda mais complexa, sobre o papel da RFB, que precisa ser mais de promotora da justiça fiscal e não só meramente arrecadatório. Dentre as propostas extraídas do seminário, tem uma muito interessante no sentido de defender o papel do Auditor como promotor da justiça fiscal, o que também deve ser feito pela instituição, em tabelinha com o Sindicato, que vem fazendo um trabalho interessante na campanha do Imposto Justo, que pode e deve ser fortalecido com ações orquestradas com a administração da Receita. Essa é uma discussão mais complexa que muitas vezes esbarra nos limites da legislação e no jogo político do País, mas ações mais consistentes nessa direção fortaleceriam nosso sentimento de estarmos contribuindo para um Brasil melhor e nosso orgulho de fazer o que fazemos.
Para concluir, voltemos nossos olhos para o futuro. As transformações são muitas e é urgente reaprendermos a trabalhar e reaprendermos a gerir. Minha sugestão vai no sentido de mirar nas organizações que estão antenadas com o futuro e exercer nossa criatividade para reinventarmos a melhor versão possível da Receita Federal, que possa ser um farol a iluminar o serviço público brasileiro. Precisamos de uma RFB com cultura organizacional de start-up! Colaborativa, participativa e baseada na confiança e na valorização do servidor. Esse novo modelo mental pode ser muito mais útil para reconstruirmos nossa luta por valorização do Auditor, em vez de ficarmos martelando o repetido discurso de sempre.
Muitos já desistiram, se conformaram que é impossível mudar o sistema e procuram só fazer seu serviço quietinho, de preferência escondido e sem ser incomodado. Eu vivo essa angústia frequentemente, mas no meu aniversário de 5 anos de Receita Federal quero brigar um pouco mais! Não estou apontando culpados por termos chegado a essa situação e isso nem faria sentido, pois todos nós desejamos fazer o melhor. Gente é feita para brilhar e ninguém levanta da cama desejando ter um dia improdutivo e sem motivação. Os desafios são enormes e é sabido o quão difícil é mudar a cultura de uma organização imensa como a Receita Federal. No entanto, maior que os desafios que temos pela frente é a capacidade de cada um de nós. Ações coletivas tem uma lógica complicada mesmo e precisamos usar toda nossa grandeza para construir um futuro melhor, para que aquelas perversas engrenagens sejam convertidas num ambiente de gente realizada. A RFB pode ser um Great Place to Work. Eu acredito.
* Auditor fiscal da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes (Demac) Belo Horizonte, 12 de maio de 2015