Muita tinta já foi gasta, e outro tanto haverá de ser, na busca da definição daquilo que seria um mundo justo. Inúmeros pensadores e filósofos detiveram-se sobre esse tema, porém, até hoje, ainda não há um consenso; ao contrário, há entendimentos diversos sobre o que seria, afinal, uma sociedade justa. Um dos que tentaram responder a essa tortuosa questão foi o filósofo americano John Rawls (1921-2002), professor da Universidade Harvard, que produziu uma obra, hoje definitivamente incluída entre os grandes clássicos do pensamento ocidental contemporâneo.
A proposta de Rawls era bastante ambiciosa, pois se propunha a resolver um dos mais difíceis dilemas do mundo democrático: como conciliar, ou garantir, direitos iguais a todos, numa sociedade desigual. Em 1971, Rawls publicou aquele que seria o livro central de sua vida: “Uma Teoria da Justiça”. Embora essa obra seja tecida em argumentação refinada e bastante complexa, ela foi imediatamente recepcionada pelo grande público.
Era um tempo de muita agitação política na América, e o livro acabou lançando as bases daquilo que viria a ser a politica de ação afirmativa, isto é, um conjunto de medidas que buscavam compensar os efeitos residuais da discriminação racial, cuja face mais visível é a politica de cotas raciais. De certa forma, a formulação teórica de Rawls abriu caminho para a aceitação dos direitos das minorias, de forma a garantir que os direitos de cada um fossem amplamente estendidos, ao mesmo tempo, preservando-se a liberdade dos outros.
Não obstante o seu perfil essencialmente acadêmico, o livro, desde logo, foi um sucesso: só nos Estados Unidos, nos primeiros anos, vendeu mais de 200 mil exemplares. Por aí, vê-se que não é de hoje que esse assunto vem preocupando as pessoas, que, afinal, sempre quiseram saber quais seriam os princípios que levariam uma sociedade para os trilhos do bom e justo funcionamento. Em resumo, a teoria de Rawls é a seguinte:
suponha-se que na fundação de um Estado ou País, as pessoas estivessem “cobertas” por um “véu da ignorância”, que as deixava em estado de natureza, e sem saber qual a sua posição na sociedade, a sua classe social, e nem os seus gostos ou talentos pessoais. Ignoravam, também, quais as coisas que fariam uma vida valer a pena.
A ideia de Rawls é que essa situação hipotética inicial deixaria a todos na mesma “posição original” de igualdade e, dessa forma, envoltos no véu da ignorância, que princípios de justiça escolheriam essas pessoas para a formação de uma sociedade justa? Sem saber qual seria a sua posição na sociedade, é de se supor que todos concordariam que ninguém devesse ser mais favorecido ou mais prejudicado do que os outros. Em síntese:
para que todos tivessem uma vida boa, seria necessário que algumas coisas estivessem presentes na vida de todo mundo. Tudo isso teria como base dois princípios fundamentais: 1º) cada indivíduo tem direito à mais ampla liberdade possível, desde que isso seja, também, compatível com a mais ampla liberdade para os outros; e 2º) as desigualdades socioeconômicas somente serão aceitáveis se isso servir para promover o bem-estar dos menos favorecidos
É claro que este artigo não é nem uma pálida introdução do que seria a teoria de Rawls. Como exposta aqui, parece tudo muito simples. E, no fundo, até é, mesmo. O problema é que John Rawls era um acadêmico extremamente teórico e formal, que passou toda a sua vida no ambiente universitário, sem nunca ter se ocupado com as questões práticas. Por isso, produziu uma obra de leitura bastante complexa e pesada, o que já deu margem para duras críticas. Mas, para quem realmente se interessar pelo assunto e quiser sair do “véu da ignorância”, a empreitada será de grande valia: as idéias de Rawls continuam atualíssimas e no centro de importantes debates políticos, como a adoção das cotas raciais, que, agora, estão vindo para o serviço público.
PERFIL e ARTIGOS de JOÃO FRANCISCO NETO
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