Antônio Sérgio Valente
No primeiro artigo desta série, apontamos distorções que o governo paulista implantou na Substituição Tributária, a partir de 2008, tornando-a mais abrangente e injusta. No segundo, analisamos as distorções quanto às Especificidades das Mercadorias. Neste terceiro artigo, pretendemos refletir sobre as perversidades implantadas em face dos perfis dos estabelecimentos varejistas.
O problema é que os varejistas, em função do tipo, da localização e do porte operam com margens brutas diferentes, embora a ST seja calculada com base no IVA-ST, que é apurado por média ponderada.
Vejamos inicialmente a questão do tipo.
Os supermercados, por exemplo, costumam praticar — e isto é de conhecimento público — para as mesmas mercadorias, margens inferiores às das padarias, restaurantes, lanchonetes e empórios sofisticados. Aplicar o mesmo IVA-ST para comerciantes que operam com margens diferentes é, sem dúvida, uma distorção tributária, mormente com a proibição de ressarcimento, nos casos em que o preço final efetivo é inferior ao previsto, e com a dispensa do recolhimento complementar, nos casos em que o preço final efetivo é superior ao previsto.
A perversidade está no fato de que se pune o estabelecimento que opera com margens inferiores à média ponderada; vale dizer, pune-se equivocadamente quem deveria ser premiado. Pratica-se o inverso do que deveria ser feito. Aprofunda-se a injustiça tributária.
Também a localização influencia a margem. Um varejista de uma rua com trânsito médio de pedestres, que paga aluguel relativamente baixo, costuma agregar ao preço de compra margens bem menores do que um varejista de shopping center, que tem custos indiretos mais elevados (condomínio, aluguel, ponto, instalações sofisticadas, etc). Se a rua for de muito movimento (Brás, Pari, 25 de Março, 12 de Outubro, por exemplo), o varejista pratica margens menores ainda, pois pode compensá-las com o volume de vendas.
Ora, atribuir a mesma média ponderada a varejistas de diferentes localizações, que praticam margens brutas efetivas que podem oscilar de 50% a 300%, gera distorções em alguns casos escandalosas.
E o pior é que esse tipo de distorção beneficia os varejistas que operam com margens maiores, que atendem a públicos mais abastados, os clientes de alta classe. É profundamente injusto, pois não podemos esquecer que os custos tributários entram na composição dos preços. Se a Fazenda tributa um lojista de shopping center sobre uma margem, por exemplo, de 100%, quando deveria tributar pela de 200%, o custo tributário desse lojista abaixa e quem se beneficia, em parte, é o consumidor que compra no shopping, e em outra parte, o próprio lojista. Ou seja, a classe mais abastada, que deveria pagar, por justiça fiscal, mais do que a classe mais carente, acaba pagando menos. A Substituição Tributária, neste caso, faz exatamente o oposto do que devia fazer: cobra mais do mais pobre, e menos do mais endinheirado. É o retrato mais escrachado do Robin Hood às Avessas desta série.
Mas há uma terceira distorção decorrente dos perfis dos varejistas: quanto ao porte. É notório que um minimercado tem muito menos poder de barganha junto a fornecedores do que um grande mercado, sobretudo se a comparação for com os que integram redes.
Exemplificando: um mercado que compra mil caixas de sabão em pó, obtém do fabricante um desconto provavelmente inferior ao do concorrente que compra dez mil. O tratamento é outro, não há dúvida. E para enfrentar a concorrência, para manter o preço final compatível, o minimercado se vê obrigado a praticar margens inferiores às do supermercado. Portanto, quando se tributa o minimercado com o mesmo IVA-ST que vale para o supermercado, vale dizer, presumindo que o pequeno tem mais margem do que efetivamente tem, agrava-se o dano comercial, comete-se outra perversa distorção tributária.
E quando combinadas a segunda e a terceira distorções, por localização e por porte, o dano então se exponencia.
Um minimercado da periferia, por seu pequeno poder de barganha junto a fornecedores, pela acanhada estrutura de custos (instalações precárias, aluguel baixo, pouco luxo nas prateleiras, salários aquém da praça), e pela clientela de baixa renda, que gasta sola de sapato antes de comprar, em geral é obrigado a praticar margens muito mais baixas que os estabelecimentos elitizados.
Por outro lado, os mercados que atendem o público de maior poder aquisitivo, em geral precisam de margens mais elevadas, pois se situam em áreas nobres da cidade, os aluguéis são mais altos, a loja tem mais luxo e funcionários melhor remunerados, enfim, os custos são maiores. Mas estes têm lá a sua contrapartida: a clientela não se importa muito com o preço, não apresenta à moça do caixa os folhetos da concorrência, de modo que a margem agregada geralmente é superior. Seria justíssimo que pagassem o ICMS sobre o valor que efetivamente agregam à mercadoria. Mas não; pagam pela média, que é, por definição, inferior ao pico que praticam. Em outras palavras, pagam sobre margem agregada menor que a efetiva.
Em suma, também quanto aos perfis dos estabelecimentos, as distorções implantadas, a partir de 2008, pelo governo Serra e continuadas pelo atual governo, são extremamente perversas, injustas e até inconstitucionais.
No próximo artigo, abordaremos os efeitos da ST sobre as empresas do Simples Nacional.
Até…
ARTIGOS de ANTONIO SÉRGIO VALENTE
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