Gustavo Theodoro
Há uma movimentação de candidatos aprovados, mas não classificados nas vagas oferecidas, que visa ao preenchimento dos demais cargos vagos na carreira de AFR. Conforme notícia publicada neste Blog, mesmo após a posse dos colegas aprovados no concurso em andamento permanecerão vagos mais de 600 cargos.
As notícias de convocação além do número de vagas constantes do edital ganharam força com a aprovação pela ALESP do PLC 50/2012. A Lei 1059/2008 só permitia que participassem da segunda fase do concurso candidatos aprovados dentro do número de vagas oferecido.
A proposta do Governo tornava facultativo o curso, mas permitia novas convocações até que houvesse coincidência entre o número de vagas oferecidas e o número de candidatos que entrassem em exercício. O Edital publicado no início do ano contemplou esta regra. Em outras palavras, mesmo que mais candidatos fossem aprovados, só entrariam em exercício 885 novos colegas.
Ocorre que o projeto de lei foi alterado, sendo retirado dele as travas para novas convocações. Agora, resta como barreira ao ingresso dos aprovados, mas não classificados, o item 1.3 do Edital, que assim dispõe:
1.3. O Concurso Público encerrar-se-á quando o número de servidores que entrarem em exercício nos cargos corresponderem ao de vagas oferecidas neste Edital ou se o número de candidatos aprovados for inferior ao número de vagas oferecidas, hipótese em que as vagas remanescentes deverão ser apresentadas no próximo concurso.
Uma comissão dos candidatos aprovados, mas não classificados no concurso em andamento, foi formada para tentar modificar esta regra do edital. Pretendo, portanto, responder à seguinte questão: pode a Secretaria da Fazenda convocar os demais candidatos aprovados, mas não classificados no número de vagas?
Até recentemente, poucas dúvidas restariam sobre a matéria. Há um princípio constantemente reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio da vinculação ao edital, que impede que seja realizada qualquer modificação em seus termos, mesmo que a modificação seja no interesse da Administração. Este princípio está apoiado em pelo menos dois princípios constitucionais, de natureza mais abrangente e de maior poder cogente: o princípio da moralidade e, principalmente, o princípio da impessoalidade.
O STF tem, no entanto, em poucos casos, transigido com o Princípio da Vinculação ao Edital. O caso mais conhecido se refere à alteração de Lei que rege carreiras. Por exemplo, um cargo exige inicialmente habilitação para dirigir. O edital de abertura do concurso público, em consonância com a lei da carreira, discrimina este requisito. Após a publicação do edital e antes da homologação do concurso, é publicada lei abandonando este requisito para a carreira, habilitação para dirigir. O STF tem reconhecido o direito de a Administração deixar de exigir este requisito que havia sido expressamente previsto no Edital. Vamos guardar este posicionamento do STF e analisar outro aspecto.
Há reiteradas decisões do STF no sentido de que a Administração não pode deixar de chamar candidatos aprovados dentro do número de vagas oferecidos no concurso, desde haja pelo menos o mesmo número de cargos vagos. Com base no princípio da confiança e no princípio da boa-fé, não pode a Administração simplesmente abrir o concurso público, informar o número de vagas e não convocar os aprovados. Há espaço para a discricionariedade na Administração Pública, mas no que concerne aos concursos públicos ela é bastante reduzida.
Não é difícil perceber que o princípio da impessoalidade está presente também na vinculação da Administração às regras do Edital. Publicado o resultado, a Administração passa a conhecer o nome dos aprovados e a discricionariedade, neste caso, poderia ferir a impessoalidade.
Há outros casos em que o STF flexibilizou as regras do Edital, sempre buscando conciliar o interesse público ao princípio da impessoalidade. Não tratarei desses outros, pois retratam situações muito específicas e que agregariam pouco valor ao deslinde da questão.
Volto então ao caso sob análise. Como vimos, o PLC 50/2012, em sua emenda aglutinativa, deixou de estabelecer travas à convocação dos aprovados fora do número de vagas ofertadas no Edital. Isto por si só é suficiente para que a regra do Edital seja flexibilizada? A resposta, evidentemente, é não. O fato de haver aceleração das aposentadorias não constitui, por si só, motivo suficiente para enfrentamento do princípio da impessoalidade e da moralidade. Há tempo suficiente para realização de novo concurso, sendo na oportunidade oferecidas as vagas em aberto.
Vejam que o PLC 50/2012 não contradiz o disposto no Edital. A modificação apenas retirou da Lei 1059/2008 possíveis travas à convocação dos demais aprovados, mas futuro edital ainda poderá mantê-las, independentemente da ausência de previsão legal. Ou seja, a regra do edital não afronta a Lei. Portanto, neste caso, a alteração legislativa ocorrida em nada socorre aos candidatos aprovados, mas não classificados.
A flexibilização de regras de editais de concurso público para provimento de cargos vagos é condicionada à presença das seguintes características: a superveniência, a imprevisibilidade, a necessidade e a gravidade. Poderíamos, talvez, considerar uma situação que poderia atender a todos os requisitos acima: a reabertura da fiscalização nas divisas.
Caso a Administração Tributária resolva, por exemplo, reabrir a fiscalização das divisas antes da homologação do concurso, ela poderá, smj, em ato devidamente motivado, modificar as regras previstas no Edital e convocar os demais candidatos aprovados. A imprevisibilidade está presente no fracasso do acordo de unificação das alíquotas Estaduais, dando sobrevida à Guerra Fiscal. A superveniência está na ocorrência deste fato posterior à publicação do Edital. A necessidade da reabertura da fiscalização nas divisas deverá ser vinculada ao fracasso do acordo com os demais Estados da Federação. E a gravidade do fato, sob o aspecto do efeito desta medida sobre o trabalho fiscal, é facilmente demonstrável. Ainda assim, neste pequeno espaço de discricionariedade, este ato, devidamente motivado, é passível de controle pelo Poder Judiciário.
Em suma, da análise da jurisprudência do STF é possível concluir que a Administração não tem discricionariedade para convocar candidatos que não entrarem em exercício em uma das 885 vagas previstas no Edital. E que a eventual flexibilização das regras do Edital depende de condições específicas, que decorram de fatos pregressos à mudança no edital, que ocorram antes de homologado o concurso e, ainda assim, este ato estará sujeito a ulterior controle realizado pelo Poder Judiciário.
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