Antônio Sérgio Valente
Continuando a série de artigos sobre as distorções implantadas no ICMS, a partir de 2008, com as mudanças na sistemática da Substituição Tributária, que passa a atingir uma infinidade de mercadorias, veda o ressarcimento (nos casos em que o preço final é inferior ao previsto), e dispensa o recolhimento complementar (quando ocorre o inverso), abordaremos agora a maquiavélica perversidade quanto aos estabelecimentos enquadrados no Simples Nacional.
Antes de tudo, recordemos que o Simples Nacional (SN) tenta aliar a simplificação da cobrança tributária à justiça fiscal, a fim de diminuir o chamado custo Brasil e fomentar a atividade econômica das empresas com faturamento anual de até R$ 2.400.000,00. A adesão é voluntária, mas muito bem vista pelo empresariado de pequeno porte, que tem aderido maciçamente.
Vários tributos estão englobados no Simples Nacional: IRPJ, CSLL, COFINS, PIS/PASEP, CPP, ISS, IPI e ICMS. As alíquotas são crescentes em função da faixa de faturamento e do tipo de empresa, mas quase sempre são mais vantajosas.
Uma empresa comercial, com faturamento anual de até R$ 120 mil, paga a alíquota total de 4% sobre a receita bruta, dos quais 1,25% é de ICMS. Se a receita for de R$ 480 mil a R$ 600 mil, a alíquota é de 7,60% (2,58% de ICMS); se for de R$ 840 mil a R$ 960 mil, a alíquota sobe para 8,45% (2,87% de ICMS); e assim por diante. Nos casos de faturamentos relativamente baixos, as vantagens são expressivas.
Vejamos uma linha de exemplos. Digamos que um empório da periferia, com faturamento anual de até R$ 120 mil, pratique em média margens em torno de 100% sobre os preços de compra. Se pagasse 18% de ICMS, isto corresponderia a 9% sobre o valor total. Na sistemática do SN paga apenas 1,25% de ICMS sobre o faturamento total. Ou seja, 7,2 vezes menos! É muita vantagem. Se o faturamento anual fosse de R$ 600 mil, pagaria 2,58% de ICMS; se fosse de R$ 960 mil, pagaria 2,87% de ICMS; e se fosse de R$ 2.400 mil, o máximo, pagaria 3,95% de ICMS. Em todos esses casos, a vantagem é sempre muito grande, embora vá declinando à medida que o faturamento cresce. Aqui temos o Robin Hood original em ação: dando mais vantagens aos pequenos, menos aos médios e nenhuma aos grandes. É o governo agindo como realmente deve agir, tentando retirar a perversidade do sistema tributário.
Porém, com a Substituição Tributária (ST) aplicada por algumas unidades da federação, capitaneadas pelo Estado de São Paulo, as vantagens do SN relativas ao ICMS são retiradas. Os produtos sujeitos à ST e vendidos — pelas indústrias, por importadores e atacadistas — aos varejistas do SN são tributados normalmente, como se os destinatários não tivessem optado pelo regime nacional.
Por exemplo, um produto com IVA-ST de 50%, sujeito à alíquota de 18%, pagará ICMS, a título de retenção por ST, de 18% sobre o valor agregado, que neste caso corresponde a 6% sobre o valor total, ou seja, muito acima de 1,25%, 2,58% ou 3,95%, conforme a faixa de faturamento do varejista.
Em outras palavras, o governo dá com a mão direita e tira com a esquerda.
E pior: o governo federal, que dá a maior parte dos incentivos (IRPJ, CSLL, COFINS, PIS/PASEP, CPP), contando com a parceria dos governos municipais (ISS) e estaduais (ICMS), é traído descaradamente por estes, que posam na fotografia aplaudindo a medida, mas na retaguarda inventam jeitinhos de neutralizar os seus efeitos.
Governo estadual, é bom que se informe, como o de São Paulo, por exemplo, que inclui na ST operações com produtos destinados a empresas do SN, que age como diz o novelista: morde e assopra. Aliás, age pior: primeiro assopra e depois morde.
Por isso insistimos que todos os agentes públicos, sobretudo os que lidam com tributos, devem ficar muito conscientes do que os seus governantes vêm fazendo contra a sociedade. Afinal, são servidores públicos, servem o público, a sociedade.
E não apenas os agentes públicos devem refletir a respeito e manifestar-se; também os contabilistas, os economistas, os empresários, os políticos, os jornalistas, os meios de comunicação de um modo geral. É preciso que a sociedade se defenda, democraticamente, dos que a escorcham.
As normas tributárias são complexas, muitas vezes se ocultam em artigos e parágrafos de Portarias que só os diretamente interessados leem, e se não forem esmiuçadas pelos homens que labutam no metiê, se não houver ampla divulgação das distorções, se não forem apontados nominalmente os governantes que as editam, a sociedade corre o risco de não perceber o que está acontecendo e reeleger — ou até eleger para cargos mais elevados — políticos e respectivos garupas que vão continuar adotando medidas semelhantes.
É absolutamente imperativo, é democrático, é justo, que o público saiba quem é quem, quem faz o quê contra quem, quem faz o quê a favor de quem e, principalmente, com que interesses.
As entidades de classe têm enorme responsabilidade quanto a isso. Sobretudo as ligadas ao tema. As injustiças tributárias, os Robin Hood às Avessas da vida precisam ser conhecidos pelo público. Matérias como estas que vimos publicando neste espaço, precisam ser assumidas pelas entidades, em seus editoriais, nos releases que enviam à grande imprensa e aos políticos, até mesmo através de publicações que poderiam ser distribuídas diretamente ao público, nas portas das repartições, das entidades associativas, das empresas, talvez por moças caracterizadas de bruxinhas, Pinóquio ou Robin Hood, para chamar mesmo a atenção do público e da mídia.
Medidas como essas seriam provavelmente mais eficazes do que meras paralisações de quinze minutos uma vez por semana (que têm algum valor, mas são muito tímidas). Ademais, os servidores não estariam sujeitos a eventuais punições administrativas e não desgastariam a sua imagem junto ao público. Até pelo contrário, as entidades estariam saindo em defesa da sociedade. Dariam desgaste ao governo e não aos seus filiados.
Por outro lado, o governo certamente veria, na altivez e independência das entidades, até aqui de joelhos, tratadas mais como inimigas do que como colaboradoras, a que ponto vai a indignação dos que elas representam.
Com a palavra, os interessados.
Na semana que vem, continuaremos a abordagem das distorções da Substituição Tributária modificada em 2008.
Até lá. Se deixarem…
ARTIGOS de ANTONIO SÉRGIO VALENTE
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