Antônio Sérgio Valente
Em artigo anterior, intitulado Postura Crítica, publicado aqui neste mesmo espaço, sugerimos que as entidades do Fisco apontassem publicamente os equívocos do governo, posicionando-se com firmeza e independência em relação a temas tributários, econômico-sociais, orçamentários e de gestão pública, sempre tendo em vista o interesse da sociedade à qual servimos e o da própria classe. Enquanto as entidades refletem sobre o assunto, vai aqui a nossa contribuição.
A partir deste artigo esmiuçaremos algumas distorções que o governo anterior implantou e que o atual, pelo menos até o momento, não manifestou interesse de reformular.
Comecemos pela Substituição Tributária.
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A Substituição Tributária, na sistemática modificada pelo governo paulista, a partir de 2008, com ampliação para uma infinidade de produtos (alimentícios, higiênicos, medicinais, fonográficos, de limpeza, perfumaria e papelaria, autopeças, ração animal, pilhas, lâmpadas, materiais de construção, colchoaria, ferramentas, bicicletas, instrumentos musicais, máquinas, materiais elétricos e eletrônicos, brinquedos, etc.), transforma o Estado numa espécie de Robin Hood às avessas: tira dos pobres para dar aos ricos.
Para quem não se lembra, Robin Hood foi um herói mítico inglês, um fora-da-lei que roubava dos ricos para dar aos pobres, no tempo do Rei Ricardo Coração de Leão. Era hábil no arco e flecha e vivia na floresta de Sherwood.
Pois saiba a sociedade que o governo paulista está fazendo exatamente o oposto do que Robin Hood fazia: está transferindo carga tributária dos mais ricos para os mais pobres.
Parece absurdo?
Pois é. É exatamente isso que está ocorrendo.
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Os tributos incidentes sobre circulação de mercadorias, por sua própria natureza, costumam ser mais perversos para as classes mais pobres, eis que fazem incidir as mesmas alíquotas e bases de cálculo sobre o consumo de todas as pessoas, indistintamente. Vale dizer, em situação normal, sem a Substituição Tributária (ST), um sujeito que ganha R$ 100.000,00 por mês e compra um quilo de café no supermercado paga exatamente o mesmo ICMS que um trabalhador que ganha R$ 1.000,00 por mês. Digamos que ambos consumam por mês a mesma quantidade e que isso lhes custe algo em torno de R$ 1,00 de ICMS já embutido no preço, conclui-se que, em relação à renda mensal de cada um, o mais abastado paga apenas 0,001%, enquanto o trabalhador paga 0,1%. Em outras palavras, nesse exemplo, o pobre está pagando, em termos relativos, 100 vezes mais que o rico!
É óbvio que quanto menor for a distância entre os vencimentos do rico e os do pobre, menos injusto será o tributo. Por si só essa — digamos assim — indiferença do tributo, já é uma enorme perversidade.
Que esse é um problema de distribuição de renda, de política macroeconômica, e que o governo estadual pouco pode fazer, até se compreende, porém…
O que não se pode aceitar é que o governo estadual agrave ainda mais o problema, que torne o ICMS ainda mais perverso.
O aumento da perversidade passou a ocorrer, em São Paulo, e está servindo de mau exemplo para todo o Brasil, em razão de várias distorções que foram implantadas, a partir de 2008, na sistemática da Substituição Tributária, sobretudo a partir de 23/12/2008, quando o governo paulista proibiu o ressarcimento, nos casos de venda a consumidor final com margem inferior à prevista, que geralmente alcança produtos destinados às classes mais pobres e estabelecimentos que praticam margens mais baixas, e, por outro lado, dispensou o recolhimento complementar do tributo, nos casos em que a margem efetiva é superior, geralmente produtos destinados à elite e comercializados por varejistas que operam com margens mais elevadas.
Em outras palavras, o tributo pago a maior pelo mais pobre não pode ser ressarcido, e o pago a menor pelo mais rico não precisa ser complementado. É o pobre, em suma, pagando o imposto da elite, com a benção do governo.
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A alteração na sistemática produziu várias distorções no cálculo e na gestão do ICMS. E o pior é que todas confluem para prejudicar as classes sociais de renda mais baixa, de várias formas, a saber:
a) Oneram mais as mercadorias que as classes mais pobres consomem, e menos as que a elite consome.
b) Oneram mais os varejistas das periferias, das regiões mais pobres, que em geral operam com margens menores, e menos os de áreas mais nobres, de centros comerciais que atendem a elite e que em geral praticam margens bem mais elevadas.
c) Retiram vantagens tributárias concedidas aos varejistas do Simples Nacional, cujos faturamentos a legislação federal desonera por meio de alíquotas inferiores, porém às vendas para esses estabelecimentos também se aplica a Substituição Tributária, de modo que parte do benefício se esvai, eis que a ST leva em conta as alíquotas normais do ICMS. Vale dizer, o governo federal dá e o estadual tira.
d) Estimulam a concentração comercial, o crescimento dos oligopólios, das grandes redes, mitigando assim a concorrência.
e) Fomentam a inflação dos produtos mais populares.
f) Agravam o problema da distribuição de renda.
g) Elevam o custo da gestão tributária das empresas, dos varejistas e seus fornecedores, inclusive de outros Estados, que certamente repassam esses custos para os preços.
h) Elevam o custo administrativo das entidades empresariais, que têm de produzir periódicas pesquisas de preços, e o do próprio governo.
Como se percebe, o assunto é extenso, o espaço é curto, e a paciência do leitor tem limite, de modo que tentaremos explicar essas distorções por partes, sem pressa, com exemplos, nos próximos artigos. Até lá.
ARTIGOS de ANTONIO SÉRGIO VALENTE
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