Democratas e Republicanos

João Francisco Neto

“Os dois partidos estarão sempre a postos para defender os interesses americanos, a qualquer custo – custo para os outros, é claro”

A surpreendente eleição de Donald Trump reforçou o interesse e a curiosidade que o mundo todo dedica aos Estados Unidos, sempre que entram em disputa eleitoral os democratas e os republicanos. De fato, o complexo sistema eleitoral norte-americano passa a impressão de que lá existem apenas esses dois partidos políticos. Na verdade, existem outros, que até lançam candidatos à eleição presidencial, porém eles nunca têm chance, pois tudo está montado para uma disputa bipartidária. O mais antigo é o Partido Democrata, fundado em 1836, pelo presidente Andrew Jackson (1767-1845), embora suas raízes estejam nos ideais do antigo partido republicano fundado em 1792, por Thomas Jefferson (1743-1826), que, além de ter sido o 3º presidente, é considerado um dos mais influentes “Pais Fundadores” da nação americana.

Originalmente, os democratas não eram lá tão democráticos, assim. Ao contrário, tinham um perfil conservador e apoiavam abertamente a manutenção da escravatura. Aliás, nesse ponto, os americanos eram iguais aos gregos: escreviam belos textos sobre a liberdade e a democracia, desde que isso não incluísse os escravos. Na Guerra Civil americana, os democratas estavam ao lado dos Estados sulistas, que foram à guerra para manter a escravidão negra.

Já o atual Partido Republicano foi fundado em 1854, com uma plataforma mais moderna para os padrões da época: eram francamente favoráveis ao crescimento industrial e contrários à escravidão. Já em 1858, assumiu o governo aquele que é, até hoje, considerado o maior dos presidentes americanos: Abraham Lincoln (1809-1865). Um dos fundadores do Partido Republicano, Lincoln foi o homem que conseguiu pacificar a nação após a Guerra Civil, mantendo a unidade do Estado americano, além de ter posto fim ao regime de escravidão, em 1865.

E assim foi até o início do século XX: os republicanos eram mais progressistas, e os democratas, conservadores. E como e quando isso acabou mudando? Como a quebra da Bolsa de Valores de Nova York ocorreu em 1929,  no curso do governo republicano do presidente Herbert Hoover (1874-1964), o Partido Democrata passou a explorar ao máximo esse fato, o que acabou tendo consequências eleitorais desastrosas  para os republicanos.

A Grande Depressão econômica que se seguiu a partir do início da década de 1930, cairia como uma verdadeira catástrofe para o povo americano, provocando o surgimento de um enorme contingente de desempregados e muita, mas muita fome, mesmo. Com a economia totalmente paralisada, não havia produção, não havia empregos, não havia salários, e tampouco esperança.

Ao mesmo tempo em que o Partido Republicano caía em desgraça, subia ao poder o homem que mais tempo ocuparia a Casa Branca (por incríveis 4 mandatos!): o democrata Franklin Delano Roosevelt (1882-1945). No início, Roosevelt também não tinha nenhum plano para tirar os Estados Unidos daquele atoleiro; porém, aconselhado pelo economista inglês John M. Keynes (1883-1946), lançou um ambicioso plano de reconstrução nacional (o “New Deal”), por meio do qual o governo faria pesados investimentos em infraestrutura, tais como ferrovias, estradas, portos, etc.

O plano deu muito certo, o país voltou a crescer, e o democrata Roosevelt foi seguidamente reeleito, vindo a falecer sem completar seu quarto mandato. Em 1951, o Congresso americano acabaria aprovando a 22ª Emenda constitucional, que impede uma pessoa de exercer a Presidência da República por mais de dois mandatos. De lá para cá, o Partido Democrata acabou fazendo uma guinada para assumir posições mais progressistas, como conhecemos hoje, ou seja, ficaram ao lado das minorias raciais, das ações sociais do Governo, etc.

Essa posição foi definitivamente consolidada no governo do presidente John Kennedy (1917-1963), que personificou boa parte dos ideais de mudança que floresceram nos agitados anos da década de 1960. Os Kennedys emergiram na cena política americana envoltos numa aura de charme e elegância – eram ricos, bonitos, inteligentes, tinham classe, estilo, poder e influência. Para o imaginário do grande público, eram uma espécie de “família real americana”. E eram democratas. Enquanto isso, o Partido Republicano assumia as posições mais conservadoras da sociedade americana: o fundamentalismo religioso, os valores dos WASPs (brancos, anglo-saxões e protestantes), o liberalismo econômico e o livre mercado, sem a interferência dos governos, etc.

Mas, nem por isso, os republicanos deixaram de ter grandes presidentes, como Ronald Reagan, que conduziu a economia americana para um patamar de supremacia mundial. É bom que se note que essas posições políticas dos dois grandes partidos americanos valem apenas para efeitos internos, segundo os seus próprios interesses. Quando se trata de questões mundiais, que ninguém se iluda, os dois partidos serão sempre os mesmos falcões, ou seja, estarão sempre a postos para defender os interesses americanos, a qualquer custo – custo para os outros, é claro.

Agora, com a recente eleição do republicano Donald Trump, o mundo – e os próprios americanos – têm uma incógnita à sua frente. Não se sabe ainda se as promessas ultraconservadoras e politicamente incorretas de Trump compunham apenas uma persona para fins eleitorais, ou se, de fato, ele colocará mesmo tudo aquilo em prática. É esperar para ver.

De qualquer forma, os Estados Unidos e o mundo ficarão com o inestimável legado de classe e dignidade, deixado por Barack Obama. Enquanto isso, assistimos a tudo daqui do pântano político em que permanecemos atolados.

jfrancis@usp.br

*Agente Fiscal de Rendas aposentado, mestre e doutor em Direito Econômico e Financeiro (FD-USP)

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