Alexandro Afonso
Por inúmeros fatores as anistias são vistas como atitudes benevolentes dos chefes de executivo, quase uma caridade.
É fato que as anistias geram alívio nos contribuintes que descumpriram as normas tributárias sem dolo. Com uma legislação tributária que é um verdadeiro manicômio, não é absurdo dizer que é próximo ao impossível cumprir todas as obrigações impostas pela União, Estados e Municípios. Porém, será que essa é a realidade do grande contribuinte que sonega com dolo, ou no popular, “de caso pensado”?
o Estado implicitamente incentiva financeiramente os contribuintes do imposto a manterem a sonegação no maior patamar possível.”
A análise presente nesse artigo utiliza alguns conceitos de “Teoria dos Jogos” para verificar se a sonegação é financeiramente viável. Informações sobre a própria teoria foram omitidas para deixar o texto mais agradável e curto na medida do possível. Pelo mesmo motivo, custos indiretos foram ignorados e apenas algumas situações são abrangidas. Para possibilitar a comparação de cenários em base comum, o pagamento dentro do vencimento de débito declarado foi levado a valores futuros de março de 2016 à taxa composta de 2% ao mês. As figuras abaixo ilustram as situações abrangidas e as variáveis assumidas:
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A tabela imediatamente abaixo demonstra os parâmetros utilizados (em amarelo) e variáveis calculadas com base na legislação e nos valores assumidos enquanto as tabelas que seguem mostram o resultado dos cálculos. Com relação às tabelas dos resultados, a primeira demonstra desembolso em reais (R$) feito pelo contribuinte enquanto a segunda demonstra porcentagem de vantagem sobre a declaração e pagamento dentro do vencimento.
Com essa abordagem vemos que financeiramente o pior cenário para o contribuinte é a declaração e pagamento do imposto. Isso significa que o Estado implicitamente incentiva financeiramente os contribuintes do imposto a manterem a sonegação no maior patamar possível. Afinal, se o contribuinte tiver toda a sua sonegação autuada por meio de AIIM com imposição de multa de 80% do valor do imposto e pagar dentro de 15 dias da lavratura ele ganhará 16,23% sobre o cenário em que declara e paga. Vergonhosamente, essa é a dura realidade.
Mas seria esse cenário o mais provável? Considerando a eficiência e eficácia da Administração Tributária e a limitação de pessoal, não é absurdo pensarmos no cenário em que apenas 50% do imposto sonegado é objeto de autuação. Também não é absurdo pensarmos em nada ser encontrado. Naquele o contribuinte ganha 58,14% sobre o declarado e pago enquanto nesse leva pra casa todo o dinheiro do imposto, 100%.
Agora vamos refletir sobre o impacto das anistias. Aqui a tragédia da supremacia do interesse público adquire contornos de crueldade. O ganho dos sonegadores é potencializado nos dois cenários em que a anistia é possível, tanto na autuação do todo quanto na meia parte. No cenário de autuação completa os 16,23% de ganho são potencializados para 40,26% pela anistia enquanto no outro cenário passa de 58,14% para 70,15%. É realmente uma tragédia.
Ao considerarmos a probabilidade de ocorrência de eventos em 20%/60%/20% caso ocorra a sonegação calculamos que o sonegador terá ganho médio ponderado de 58,12% no cenário sem anistia e incríveis 70,13% na hipótese de ocorrência de anistia.
Ao iniciar os estudos para escrever esse artigo eu imaginava que a anistia dava ligeira vantagem à sonegação. Não há como esconder a surpresa que tive ao verificar que o sistema tributário da forma como está constituído dá imensa vantagem ao sonegador contumaz. Não se trata apenas de anistias, mas de redução de multas de forma geral e do uso mínimo de outras medidas administrativas mais duras contra esse tipo de prática.
As anistias, por sua vez, transformam uma coisa que já é ruim para a sociedade em algo péssimo. Não a toa o FMI sugere que elas devem ser evitadas (baseado em estudos de Baer e Le Borgne, 2008). É óbvio: as anistias tornam a sonegação ainda mais financeiramente viável. Eu não encontro palavras para descrever o tamanho do absurdo que é a conclusão baseada nesse estudo. Deixo essa tarefa para o leitor, pois basta a reflexão.
Por ora fica evidente que as seguintes medidas são necessárias:
- Proibição de qualquer tipo de redução de multas, punitivas ou não, e juros.
- Ajuste dos juros dos impostos aos juros do setor financeiro. (a)
- Melhora da eficiência e eficácia das Administrações Tributárias.
(a) essa medida já foi tomada pelo Estado de São Paulo e sofreu constantes reveses judiciais
Os dois primeiros pontos são relativos apenas à questão financeira. Trata-se de fazer com que a sonegação não seja viável desse ponto de vista. A terceira medida é de difícil implementação por motivos ímpares. Apesar disso, a ideia é que a lavratura de AIIM deixe de ter importância central no caso da sonegação contumaz em favor da adoção de medidas administrativas mais eficazes, e duras, em modificar o comportamento dos contribuintes de forma a deixar a sonegação para cumprir suas obrigações voluntariamente.
Por fim, para que a justiça fiscal possa um dia ser possível no Brasil, e mais especificamente em São Paulo, é imprescindível que a sonegação não seja financeiramente viável. Atualmente isto não é realidade por conta das regras impostas pelo Estado que foi criado para ser a “materialização” do guardião do interesse público.
É urgente inverter essa lógica.
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