João Batista Soares (MG)
“Aí começa o cheiro do ‘pacto corrupto’ no ar: você respeita meu caviar e eu não atrapalho seu jantar!”
A Secretaria de Comunicação da Bahia, em fevereiro de 2016, soltou informe sobre o desempenho da arrecadação do ICMS, em 2015, comparado com 2014. Aquele Estado teve aumento de 6,48%, ou seja, quase o dobro da média do Brasil, que cresceu 3,62%. Divulga que os 10 maiores estados brasileiros cresceram, em média, 3,14%, ou seja, um pouco abaixo da média nacional, de 3,62%. Quem teria puxado essa média para baixo? Surge MG, o pior desempenho das Regiões Sul e Sudeste, com queda de -0,90%. SP, que esperava equilíbrio nominal, crescera 2,57%.
Estudo recente, mas sem os dados de dezembro de 2015 de SP, já apontava o péssimo desempenho de MG no último exercício (link aqui).
Bahia destaca que o excelente desempenho nominal, mormente em um ano de grave crise nacional, decorreu de forte investimento em TI³ e treinamento do corpo fiscal.
Mais uma vez MG tem papel impoluto nessa vestal. Pelo menos no informe oficial. Mas aqui, nos últimos 13 anos, a fiscalização, de fato, foi constipada e deflorada.
Com a fusão de FTE⁴ com AFTE⁵ a qualidade dos trabalhos fiscais despencou, pois os servidores de Postos Fiscais não têm noção de auditoria e não foram treinados para tal. Atualmente, o que se vê, é “Auditor” dizer que detesta fiscalizar e luta sem cessar para encontrar um abrigo longe da pasta, de preferência um cargo comissionado, um nicho de privilegiados. Resultado: “Auditores” com salários de R$30 mil reais mensais, em média, que nunca lavrou Auto de Infração – AI nem tão pouco têm compromisso de gerar receita para o Estado. Afinal, produzindo ou não, seu salário está garantido. Para tanto, basta uma boa relação com o gerente e todo mundo fica contente.
O GEFAZ⁶, com atribuições fortes e de extrema importância, previstas em lei, encontra-se em desvio de função e, portanto, impedido de ajudar a alavancar o combalido caixa do erário.
Para piorar, há ainda os RETs⁷, que a partir de 2003 foram concedidos agressiva e criminosamente, sem qualquer controle ou critério técnico, provocando um rombo na arrecadação do Estado da ordem de R$6,0 bilhões anuais, além de eliminar as empresas não contemplas, num ataque fulminante à livre concorrência. Pobre economia mineira! A TI³, coitada, sempre ignorada, impõe ao Auditor ou ao Gestor muito mais do que competência técnica para suas ações laboriosas.
Há que relatar o resumo da saga de um Auditor (sem aspas) que tem compromisso com a coisa pública e não aceita ganhar sem trabalhar. Além do estudo do processo produtivo e operacional do contribuinte, há necessidade de diligências, cruzamento e tratamento de dados, análise de balanços, verificação do cumprimento da legislação, circularização e, claro, outras medidas do poder de polícia, muitas delas conflituosas e desgastantes em face da “invasão da parte mais íntima das empresas” que são as regularidades das atividades econômico-financeiras e contábeis. Busca-se a comprovação dos indícios e dos elementos de provas materiais e reais. Após a robustez probatória, o Auditor começa o trabalho de formação processual. Um AI envolve mais de mil cópias de documentos, além dos arquivos gravados em CD. As cópias são feitas pelo próprio Auditor. Após a elaboração das mais variadas planilhas, levantamento e a apuração do valor sonegado (tudo logicamente concatenado), inicia-se a geração da peça fiscal. O sistema é lento, pouco interativo e não funciona adequadamente. Até a internet é de péssima qualidade. Muitas vezes há que “simular” o cancelamento do auto de infração para que as alterações efetuadas sejam processadas. Os textos saem totalmente desconfigurados. Há que “inventar” parágrafo para que não aja quebra de linha ou pagina. E o sistema sempre lento, até mesmo para acessar. É uma sessão de tortura! Ufa! Rompeu-se essa fase! O filho nasceu, mas corre risco de não vingar.
Agora há 03 vias: uma, para o PTA⁸; outra, para a Autuada; e a ultima, para a Representação Fiscal. Nova luta se inicia: o teste do Controle de Qualidade – CQ do trabalho fiscal! Em Contagem – MG são 2 CQs. O 1º, na DF⁹, que há discussão profícua em busca dos ajustes e do melhor formato processual. Esse, sem muitos desgastes, quando, claro, o responsável discute ideias e sugestões, mas sem imposições. O 2º CQ, feito pela SRF¹⁰, por gente sisuda e cheio de “verdades”. Fazem relatórios “frios” de algumas laudas para criticar o trabalho, quase sempre sem sentido, pois são pessoas que não têm experiência em auditoria. Já houve casos de denúncias no MPMG¹¹ em face de embaraços sofridos para a lavratura de AI. É melhor parar por aqui. Ainda está longe de terminar. É um trauma relatar e exige sessões de ioga para se recuperar.
Enfim, gerar um AI exige abnegação e aprofundados estudos! Hoje, lavrando ou não, o “Auditor” recebe do mesmo jeito seus gordos salários. Alguém, sem compromisso social, comum aos “doutos colegas”, enfrentaria essa tortura acima relatada?
Aí surge a cúpula da SRE², que mantém a mesma turma de 13 anos, com um modelo gerencial patrimonialista (de viés familiar), obsoleto e cheio de regalias, cujo objetivo prende-se: lutar para não perder o cargo comissionado ou, no mínimo, jamais retornar para pasta e fiscalizar (não, não! Isso, não!).
O sonho maior do “Auditor”: comissão! Pelo menos R$8,0 mil reais a mais ao mês, além dos infinitos privilégios, sob rótulo de ócios do ofício. Assim: quem está dentro, dá a vida para não sair; quem está fora, capaz de tudo para entrar. Aí começa o cheiro do “pacto corrupto” no ar: você respeita meu caviar e eu não atrapalho seu jantar!
Enquanto isso, a maldição do SUB¹ assombra. Idos de 1996/97, Fisco no limbo, atraso salarial consumado. 2016/17, parcelamento salarial, poluição ambiental e a previsão do caos total. Talvez a numerologia explique a razão de tamanho baixo astral.
Fica a pergunta: algum “Auditor” estaria satisfeito com o cenário atual, caso cumprisse 8h diárias e tivesse sua “produtividade” devidamente apurada? Afinal, dentre outras rubricas remuneratórias, o “Auditor” percebe: 40h semanais trabalhadas, vencimento¹² integral garantido; GEPI¹³, sempre certa, ainda que nenhum contencioso seja lavrado. De janeiro de 2015 para cá, p.ex., se houvesse 50 AIs produzidos, para o contingente de 1.400 “auditores” ativos, seriam motivos de fogos de artifícios. Pobre povo mineiro!
* Auditor Fiscal da Receita Estadual de Minas Gerais, desde dez/1999.
Pós graduação em AUDITORIA (UFMG), em DIREITO TRIBUÁRIO (PUC_MG) e em CONTABILIDADE GOVERNAMENTAL (Cândido Mendes).
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1 SUB – Subsecretário da SEF_MG: João Alberto Vizzotto, que também era nos idos de 1996/97
2 SRE – Subsecretaria da Receita Estadual da SEF_MG
3 TI – Tecnologia de Informação – na SEF é a STI: Superintendência de Tecnologia e Informação
4 FTE – Fiscal de Tributos Estaduais, único responsável legal pela Auditoria, antes da fusão com AFTE
5 AFTE – Agente Fiscal de Tributos Estaduais – fiscalização de trânsito, antes da fusão com FTE
6 GEFAZ – Gestor Fazendário – Atribuição de tributação, arrecadação e tratamento de dados
7 RET – Regime Especial de Tributação – benefício fiscal sem critério e em caráter individual (lobby)
8 PTA – Processo Tributário Administrativo – Auto de Infração – AI – Contencioso – privativo do auditor
9 DF- Delegacia Fiscal: unidade de exercício do Auditor Fiscal 10 SRF – Superintendência Regional da Fazenda: São 10 em MG 11 MPMG -Ministério Público de Minas Gerais
12 Vencimento básico, que está, em média, R$7.500,00 mensais
13 GEPI – Gratificação de Estímulo e Produção Individual + Conta Reserva – Valor em MG: R$13.420,00
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